sábado, 24 de março de 2012

ESTA CIDADE DESPOVOA-SE


Porque  a  recusas,  esta  cidade  despovoa-se,  o granito
torna-se  subitamente  um  resina  pegajosa   e hostil.

As  gaivotas  fogem  para  o  mar  com  gritos  roucos,  um
arrepio  atravessa  as  ruas  como  sinal  de  inverno.

Encontro   as  portas  fechadas  ao  longo  das  paredes; um
curto   circuito  acaba  de  apagar  o  sol,  a lua  vazia  ergue
uma maré  que escava  furiosamente  as  paraias.

O  espaço  minga,  as  folhas  secas  tombam  com  um  riso
grato:  sabem  que  foram  nas  árvores  a última  primavera.

Um coração  está  pousado  no  solo  e  eu  tropeço  na  sua
Derradeira  pulsação. Já  o  vi  algures, creio, antes do medo.

Egito Gonçalves em Luz Vegetal, Limiar, Lda, Porto, Dezembro de 1975

Nota do autor:   Luz Vegetal inclui um ciclo de poemas escrito em um ano: de Setembro de 1971 a Setembro 1972. Este poema enviado para um jornal de província,  foi proibido pela censura.  

Legenda: fotografia de Eduardo Gageiro.

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