terça-feira, 13 de março de 2012

SARAMAGUEANDO


A polémica remonta a Setembro de 2007 quando Gunter Grass publicou a sua autobiografia, que em português teve o título de Descascando a Cebola.

O autor revela que pertenceu à Wafen-SS, o corpo de elite hitleriano, responsável por atrocidades durante a 2ª Guerra Mundial.

A revelação caíu como uma bomba.

Reacções iradas de críticos, e leitores, fizeram ouvir-se e ofereceu, ao mesmo tempo, campo aberto aos rivais literários e adversários políticos, agastados com o tom de superioridade moral em que durante anos, em toda a sua obra, Gunter Grass, admoestou aqueles que silenciaram os respectivos passados nazistas.

Chegaram a dizer que o Prémio Nobel, ganho em 1999, lhe devia ser retirado.

O estranho e obscuro personagem polaco Lech Walesa, declarou que se soubesse nunca lhe teria concedido a Medalha de Honra de Gdansk, onde, em 1927, Grass nasceu.

Adam Michnick, que na Polónia ajudou a transição do comunismo para a democracia disse: 

Será assim tão difícil para nós, polacos, compreender o drama de uma geração de jovens alemães que foi enganada pela propaganda nazi?

Michael Jurges, biógrafo de Grass, mostrou-se profundamente desapontado: 

Se ele tivesse admitido antes que aos 17 anos fazia parte das SS, ninguém se teria importado, mas agora isso põe em dúvida, do ponto de vista moral, tudo o que alguma vez nos disse.

Salman Rushdie confessou-se desiludido mas acrescentou que a confissão não faz do escritor um hipócrita nem afecta a sua obra: 

Não deixamos de ler Céline apesar de ele ter sido anti-semita quando era adulto. Não deixamos de ler Ezra Pound que era um simpatizante nazi.

Aquando da publicação de As Pequenas Memórias (Outubro de 2006), o Público, no seu suplemento Mil Folhas, inseriu uma entrevista a José Saramago.

Gunter Grass veio à baila:  

Público - Se eu lhe dissesse, depois de ler a sua autobiografia, que foi um salazarista quando era adolescente, o que é que respondia?

José Saramago - Que nunca fui salazarista.

- E que esteve "ligado ao fascismo", como disse em título (na sexta-feir)] o Correio da Manhã?

- A ignorância tem alguma inconveniência. Quando se junta à estupidez, não há remédio. O que não consigo compreender é que não haja um director ou um chefe de redacção atentos.

- Mas sabe que, antes do Correio da Manhã, foi O Estado de S. Paulo (edição do dia 4) quem o escreveu, em título?

- É estúpido, evidentemente. Perguntaram o que achava da confissão do Günter Grass ,no livro Beim Häuten der Zwiebel (Descascando a Cebola), edição em Portugal prevista para o ano que vem, de que fora voluntário nas Wafen-SS, de Hitler, aos 17 anos. Eu estava bem disposto e respondi dizendo que tinha chegado a altura de fazer uma confissão. Eles tomaram à letra a ironia e disseram isso. No livro, conto que todos fomos da Mocidade Portuguesa. O Correio da Manhã é um eco daquilo que O Estado de S. Paulo escreveu, julgando que tinha na mão um escândalo.

- No livro, assinala que, no liceu, conseguiu ficar sempre para último, na fila, e nunca usou a farda.

- E escrevo, a propósito, que essa foi a minha primeira vitória contra o fascismo. É preciso ter muito cuidado no uso da ironia com jornalistas. Sobretudo tratando-se de uma resposta por escrito. Ele [o entrevistador brasileiro] não sabia nada [sobre a história da Mocidade Portuguesa].

- Ele faz a ligação a Grass, "que confessou, na autobiografia, ter pertencido à juventude hitleriana". Por que é que, a propósito, compreende a confissão tão tardia de Grass?

- Ninguém se preocupa muito que as pessoas não revelem os seus segredos. Ninguém os conta, ou conta só algum que casualmente interesse. Todos guardamos segredos. Mas parece, do ponto de vista daqueles que se escandalizaram, que não podemos guardar segredos. Então não vamos guardar segredos, todos. Dizem: "Ah!, mas uma figura pública..."

- Uma figura que se assumiu como autoridade moral...

- Podia alegar-se aí que Saulo [de Tarso, nome original de S. Paulo] também perseguiu os cristãos e depois se converteu. Evidentemente que teria sido melhor para Grass se o tivesse confessado desde o princípio. Mas ele usou o jogo das meias-verdades.

- O que é censurável.

- Mas não haverá também aí uma grande hipocrisia das pessoas que se apresentam como grandes virtuosas, honestas, límpidas de carácter, com passados impolutos? Não será antes o caso, tão ansiado por tanta gente, de descobrir os pés de barro dos gigantes que deviam ser de bronze?

- Também. Por Isso é que aqueles que se agigantam têm que estar preparados para isso.

- Não será a história daquele homem que andava de terra em terra à espera de que o trapezista do circo caísse? Tomei partido a favor porque aquilo (que Grass fez) não apaga aquilo que foi o futuro desse tempo. Não tinha o direito de se armar em fiscal moral dos outros? Eu não quero julgar isso. Eu não condeno o Günter Grass.

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