segunda-feira, 27 de maio de 2013

OLHAR AS CAPAS


A Via Sinuosa

Aquilino Ribeiro
Livrarias Aillaud Bertrand , Paris/Lisboa 1939

O sol tinha rebentado duma hóstia vermelha em terras de Penedono, mesmo ao de riba do castelo, e as cotovias banhavam-se na sua labareda cantando. Já as franças dos pinheiros encandeavam, e era ao alto dos troncos, que pareciam romper a forma processional para largar connosco, um miraculoso, um incomparável pálio, sêda verde, lhama de oiro, a cobrir pelo caminho fora nossas frontes regaladas.
Pelas rá pidas esgueiras do caminho, à nossa direita, o monte luzia, com a farfalha violeta da manhã a levantar às mancheias de sol nos picotos. Não se avistavam os faunos, mas lá deviam andar nos abrigos, em lutas-cambalhotas ou escorregando o sim-senhor lanzudo de tunantes pelas lájeas em lavadoiro. Lá andariam, porque cacarejava para lá do perdigão e a corcolher, e eles, mercê dos jarretes leves de caprípedes e da carne coriácea, são menos tímidos que os voláteis que o homem abate para comer. De lés a lés nas longas estiradas do baldio, já sob os rebates da canícula havia começado a lenta agonia do verde. Desaparecera-lhe já aquele esmalte que nos velhos pratos de Palissy afoga em tinta crua a guloseima loira duns pomos sazonados. E adoçando-se, vivo ainda no codesso, cinzento nos rosmanos, com laivos de cobre no fieital e na rabugem, que come da frágua, havia em seu espraiar a sonoridade lenta dum monocórdio. Nas espaldeiras surradas de mato, flores do sargaço lacrimejavam; mas eram ralas, muito luzentes, inacreditáveis, como contas de oiro de moira desencantada, que as deitasse fora, ao fugir.

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