quinta-feira, 21 de setembro de 2017

OLHAR AS CAPAS


Exercícios de Estilo

Luiz Pacheco
Editorial Estampa, Lisboa, Julho de 1971

Tenho Amigos até 1 copo. Tenho todos os meus Amigos tabelados: a cincos (o Edmundo Bettencourt, o Jaime Salazar Sampaio, por ex.), a vintes (são a grande maioria), a cinquentas (o Mário Alberto, etc.), a cemzes, a quinhentos (o Artur Ramos), a miles (destes últimos convém não abusar, é só para as grandes aflições). A vintes cada bebedeira são á bicha, bêbedas que apanhamos eles a pensarem neles e no que mais lhes interessa ou por um bocado de companhia ou por um ouvido irmão para desabafar; eu a pensar nos vintes que lhes vou cravar à despedida, na hora das emotivas efusões em que a fraternidade é lei. Tenho Amigos que dão vintes mesmo sem vinho – e sabe-se lá porquê? Tenho Amigos que dão a gravata a camisa a calça curta ou comprida cachecóis lenços de assoar a esferográfica deles, todos os trocos miúdos das suas algibeiras, com uma careta ou um riso satisfeito, tanto me faz. Tenho ainda Amigos que me levam uma vez por ano à praia de popó e me dizem insistem para que molhe ao menos os pés, lave as ventas na água salgada, insistem por pura amizade para eu respirar fundo «qu’ali é qu’é bom». O iodo. As brisas atlânticas. As beldades carnudas bem à mostra. Tenho outros Amigos que me põem a ouvir a última gravação que compraram do Brell e oiço Les Timides, Les Vieux e choramingo, na hora dos copos qualquer pretexto (me serve) lachrima triste à esquerda (veio decerto directa do coração), lagrimeta condensada na pupila à direita pelos tintos, forma de arroto vínico irreprimível subido do fígado inchado que se enganou no caminho natural talvez sugestionado pelo Brell. Tenho Amigos-amigos, Amigos-negócios à parte e Amigos-meio a atirar pró torto, da onça. De todos preciso e assim-assim de todos gosto à minha maneira porque a solidão e o silêncio são causas de morte, são a morte. O meu maior Amigo, digo: aquele que me tem feito sofrer mais, sou eu. Por isso, talvez, também que o prefira (e me gramo). Entre todos os Amigos às vezes me prefiro e tiro mais, carrasco e vítima de mim mesmo, e bebo e drogo-me para o esquecer, o desconhecer, e ainda às vezes tanto asco lhe voto e desespero que o matava logo ali – a não ter tanto medo da polícia Eu).

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