sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

HOJE É INÍCIO DE JANEIRO

 

Há dias, folheando «Resumo: a poesia em 2010» dei com o poema Rising de Renata Correia Botelho que refere a morte da cantora Lhasa de Sela que morreu no dia 1 de Janeiro de 2010.

 Quando comprei o CD La Llorona de Lhasa, desconhecia-a por completo.

 Lembro que comprei o disco pela capa, seguindo passos que costumo fazer com os livros.

 Fiquei encantado ao ponto de nunca ter encontrado palavras para o deslumbramento hipnótico daquela voz que me soava a exótica, de um tipo de música, fértil na fronteira México/Estados Unidos e de que gosto muito.

 Só voltou a publicar o seu segundo álbum, The Living Room, passados uns sete anos e alguma coisa se perdeu. Gostei de a ouvir mas alguém lhe terá dado umas quaisquer dicas que não tornaram o disco tão surpreendente.

 Em 2009 ainda publicou um terceiro álbum, Llasa, mas já estava minada pela doença, quando esperávamos, ainda mais maravilhas por parte de Llasa,  que a levou no dia 1 de Janeiro de 2010.

 Era uma nómada, sem pátria, nem paradeiro.

 Este é o país onde moro, esta é a minha língua, a minha casa, os lugares onde vivi estão muito longe, já se foram.

 Também não é impunemente que se ouve Billie Holiday aos 13 anos e, nesse tempo exacto, decide ser cantora.

 Este é o poema de Renata Correia Botelho:

hoje é início de janeiro
mas só consigo escrevê-lo
dois meses depois: morreu
a cantora Lhasa de Sela,
li no canto do ecrã,
assim, em letra corrida,
ainda a manhã mal tinha
chegado às mãos. não era
possível ver ali uma única
palavra com sentido,
‘i was caught in a storm’
e a chuva partia-se fria
contra os olhos.
‘hitting the ground
and breaking and breaking’,
é o que acontece à alma,
em dias destes, quando janeiro
só se pode dizer em março,
sem primavera.

Desse primeiro disco de Lhasa, e como ainda é tempo de festas natalícias, ponho a rodar o bonito villancico espanhol Los Peces, a virgem penteando seus cabelos, lavando no rio, os peixes que querem ver o menino nascer.


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