sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

DO TEU POEMA À ESTRELA DA TARDE


No Festival RTP da Canção de 1976, Carlos do Carmo foi escolhido para único intérprete das oito canções selecionadas por um júri onde se encontravam Manuel da Fonseca e Pedro Tamen. 

Eram estas as canções:

No teu poema José Luís Tinoco, 

Novo Fado alegre José Carlos Ary dos Santos/Fernando Tordo, 

Os lobos e Ninguém José Luís Tinoco, 

Maria-Criada, Maria-Senhora Tozé Brito

Flor de verde pinho Manuel Alegre/José Niza

 Onde é que tu moras Joaquim Pessoa/ Paulo de Carvalho

 Estrela da Tarde José Carlos Ary dos Santos/Fernando Tordo.

Por votação do público saiu vencedora Flor de Verde Pinho que representou Portugal no XXI Festival Eurovisão da Canção.

As interpretações de Carlos do Carmo estão registadas no disco Uma Canção Para a Europa.

Neste bom naipe de canções, estão duas excelentes canções: Estrela da Tarde e No Teu Poema e uma delas é que deveria ter sido a representação portuguesa na Eurovisão, mas quando se coloca a escolha no público, os desarranjos acontecem!...

No artigo de opinião que escreveu para o Público, Augusto M. Seabra, faz notar que No Teu Poema era uma canção que calhava particularmente bem a Carlos do Carmo mas que, e bastante surpreendentemente, não a retomou e dir-se-ia que a entregou a Simone de Oliveira.

Fica aqui a interpretação de Carlos do Carmo com o pianista Bernardo Sassetti.

Carlos do Carmo, politicamente, sempre se situou à esquerda, foi aquilo que a gíria política designa por compagnon de route do Partido.

Mas por ali o fado não era muito bem visto, criava pele de galinha a muita gente, e devemos lembrar-nos que o excelente Fernando Lopes Graça era o chefe de fila do preconceito anti-fado.

A participação de Carlos do Carmo, na 1ª Festa do Avante, realizada na FIL em 1976, esteve para não acontecer, pois não fazia qualquer sentido alguém do fado subir ao palco, se bem que no Palco nr. 5, na tarde de domingo houvesse uma «Tarde de Fado Amador», e à noite, no mesmo palco, houvesse uma «Noite do Fado» com actuações de Adriano Correia de Oliveira, Fernando Farinha, Fernando Tordo, José Manuel Osório, Samuel e Saudade dos Santos, já para não referir o Concerto de Carlos Paredes, no palco nr. 2, nesse mesmo domingo.

A birra tinha a ver com o nome de Carlos do Carmo.

Mas foi aí que o calmeirão Adriano Correia de Oliveira, levantou a voz e disse a quem de direito:

«Ou o Carlos do Carmo canta, ou eu não canto».

Certas coisas que se dizem, pagam-se.

E Adriano Correia de Oliveira pagou.

O Adriano não era um sectário, nem alinhava em capelinhas, pela simples razão que entendia que o Partido não é nenhuma congregação religiosa.

Pensar pela própria cabeça tem riscos, e o sectarismo de muitos dos seus camaradas, afectou-o profundamente.

Junto a outras pequenas-grandes-coisas levaram o Adriano à morte.

Tinha 40 anos.

Cantou muitas vezes que a saudade é um luto e José Carlos Ary dos Santos retratou-o assim:

«Nas tuas mãos tomaste uma guitarra
copo de vinho de alegria sã
sangria de suor e de cigarra
que à noite canta a festa de amanhã.

Foste sempre o cantor que não se agarra
o que à terra chamou amante e irmã
mas também português que investe e marra
voz de alaúde rosto de maçã.

O teu coração de ouro veio do Douro
num barco de vindimas de cantigas
tão generoso como a liberdade.

Resta de ti a ilha dum tesouro
a jóia com as pedras mais antigas.
Não é saudade, não! É amizade.»

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