sábado, 25 de junho de 2022

JUST A SWEET COUNTRY DREAM


Este texto é dedicado ao meu Amigo João Pedro, que há cinquenta anos atrás, sempre que me queria “picar” acerca do meu - mau, segundo ele… -  gosto pela “Folk Music” me atirava à cara a cantora índia canadiana Buffy Sainte-Marie. Não sei se ele alguma vez a ouviu cantar, embora suspeite que não. Dar-lhe-ei, agora, uma nova oportunidade…  

Nos tempos em que os portugueses se pareciam preocupar muito com a Covid, lembro-me de ter lido no “Público” uma reportagem acerca do desejo de abandonar as grandes cidades e ir viver para o campo, que se teria instalado em muito boa gente.

Ar puro, produtos naturais, vida mais barata, menos trânsito, menor “stress”, maior descanso e muito mais tempo livre para cada um dedicar a si próprio é à Família… 

Com as televisões por cabo e a Internet, a ligação ao mundo dito “civilizado”, para quem quisesse ou tivesse necessidade de o fazer, não seria problemática.

Estar-se-ia com um pé num universo e o outro pé noutro completamente distinto, à medida dos desejos de cada um.

Toda esta mistura parecia ser suficientemente atrativa para alguns dos nossos compatriotas, garantia o “Público”, que se deu ao trabalho de ir ao encontro de alguns deles. Lembro-me que uns trocaram Lisboa por Portalegre, pelo simples facto de ter pensado para com os meus botões que Portalegre seria um dos sítios onde, certamente, nunca me apanhariam a viver…

Mas cada um sabe se si e aqueles que deixaram as grandes cidades tinham, seguramente, boas condições materiais para isso, porque não acredito que o tivessem feito apenas à custa dos “magníficos apoios” atribuídos pelos sucessivos governos deste País como incentivo à deslocalização para o interior.

Este sonho pelo campo não é coisa dos tempos de hoje. É uma atração antiga e surge de forma recorrente, à medida em que a evolução das Sociedades vai impondo maiores constrangimentos à vida nas grandes cidades.

Agora é a Covid mas antes já era o custo da habitação, o trânsito caótico, as dificuldades de estacionamento, a proliferação de “tuk tuks” e turistas, e por aí fora...  

Na Literatura este tema deu pano para mangas, pelo menos a partir de Rousseau e do seu mito do bom selvagem, a que Henry Thoreau e tantos diversos autores do Romantismo deram sequência.

Como tudo o que é humano não é estranho à Folk Music, não é de admirar que, ao longo dos tempos,  há muito ela tenha deixado correr este tema por muitas das suas canções.

Como não vos quero maçar muito mais, deixo-vos aqui quatro exemplos, acompanhados das respetivas “letras”. 

A mais antiga data do último quartil do Séc. XIX, mais propriamente do início da década de 1870, uma vez que a sua data precisa parece ser muito duvidosa e John Lomax, no seu livro “Folk Song USA” que já aqui citei por diversas vezes, até admita que ela possa ser ainda mais antiga 

Começou por se chamar “My Western Home” e foi escrita, enquanto poema, por um tal Brewster M. Higley, ao qual, mais tarde, um seu amigo (Daniel E. Kelley) haveria de acrescentar a música.

Tendo fugido da mulher (é Alan Lomax, no seu livro “Folksong USA”, quem o afirma…) e ocupado terra no Kansas, ao obrigo das Leis federais que procuravam fomentar a ocupação do interior dos Estados Unidos, Higley terá ficado extasiado com aquilo que os seis olhos viam e a inspiração para o poema ter-lhe-á surgido, naturalmente. Parece que a cabana onde se instalou ainda por lá está e é considerada Monumento Nacional.

Como sempre sucede com a Folk Music, a letra foi sofrendo pequenas alterações ao longo dos tempos e esta música passou a ser conhecida como “Home on the Range”, tendo sido publicada em papel pela primeira vez em 1925 em Santo António, no Texas, por Oscar J. Fox.

Com o tempo, tornar-se-ia uma das mais conhecidas cowboy songs da América, entrou em muitos filmes e em 1947 foi designada como canção oficial do Estado do Kansas. 

Porque tinha de ser um cowboy, das centenas de versões que existem escolhi a de Gene Autry, gravada nos anos 40.

A letra é a seguinte:

HOME ON THE RANGE 

“Oh, give me a home, where the buffalo roam
Where the dear and the antelope play
Where seldom is heard, a discouragin' word
And the skies are not cloudy all day

Home, home on the range
Where the dear and the antelope play
Where seldom is heard, a discouragin' word
And the skies are not cloudy all day

How often at night, when the heavens are bright,
With the lights from the glitterin' stars,
Have I stood here amazed, and asked as I gazed
If their glory exceeds that of ours?

Home,home on the range

…………………………….

Oh, give me a land, where the bright diamond sand
Flows leisurely down the stream
Where the graceful white swan goes gliding along
Like a maid in a heavenly dream
Then, I would not exchange my home on the range
Where the dear and the antelope play”

Fica este exemplo icónico mais antigo e vejamos exemplos mais recentes.

A partir de meados dos anos 60, com a marretada final dada por Bob Dylan naquela célebre noite de 25 de Julho de 1965 no Festival de Newport, a “Folkmania” então existente nos Estados Unidos viria a perder gás, progressivamente.

Os bares Folk de Greenwich Village não encerraram as suas portas  de um momento para o outro, mas deixaram de ter as enchentes do passado e trabalhar em Nova York deixou de ser rentável para muitos folksingers dessa época, alguns deles até sem grande paciência para a música “eletrificada” que começava a ser adorada pelos mais jovens, sobretudo a partir da altura em que os Beatles aterraram na América.

Muitos deles - que nada tinham a ver com o ideário “hippie” - deixaram Nova York e instalaram-se não muito longe, nas montanhas de Woodstock, para onde Bob Dylan também iria uns tempos mais tarde, instalando-se, com os seus amigos da “The Band”, na célebre “Pink House”.

Outros, mais interessados em cavalgar essa nova onda da “Pop Music”, foram para a Califórnia, que era o que estava a dar, e instalaram-se ao longo de Laurel Canyon, talvez também com essa ilusão de que viviam no campo e desceriam à cidade quando tivessem necessidade.

Não é, assim, de estranhar que o tema “fuga para o campo” viesse a surgir, de forma mais ou menos explícita, em muitas das canções desse tempo.

É o caso desta “Just a Country Dream”, escrita em finais dos anos 60 por Eric Andersen, que também viveu em Woodstock entre meados das décadas de 70 e de 80, antes de partir para a Europa e se instalar na Noruega por uns tempos.


JUST A COUNTRY DREAM 

“There was Bob on the banjo and Dave on the old mandolin

And somebody cried out oh won’t you play that again

Oh what a joy just to hear that ole music again

 Being close by your friends

 

Just sittin’ there talking and thinking bout the places we’ve been

Then someone starts singing and strumming a sad melody

And the words tell a story bout someone like you and like me 

Livin lovin and a highway where a man can be free

Goes so easily 

Just to remind us how simple this old life could be

Like David and Susan who decided to follow their dreams

About leaving the city and going to the country it seems

Out to a valley where the waters flow peacefully

Just a sweet country dream

 

Where stars shine so bright and the air always smells so sweet and so clean

Or bout Lou’s restless just thinking about goin out west

Till the day that he died his life was the family he lead

It’s been hard on the kids but I hear that she’s doing her best

I venture this guess 

She’s living and growing and learning like all of the rest

 

There was Bob on the banjo and Dave on the old mandolin

And somebody cried out oh won’t you please play that again

Oh what a joy just to hear that ole music again

Those times with your friends

Just sittin’ there talking and thinking bout the places we’ve been”

A música que se segue foi composta por John Prine com o nome “Spanish Pipe Dream”, e faz parte do seu glorioso primeiro álbum, lançado em 1971. Mas eu ouvia-a, pela primeira vez, na voz do John Denver e com outro título: “Blow Up Your TV”, que faz parte do álbum “Aerie”, também de 1971.

Não me cansarei de agradecer a John Denver e a Ian Mathews a maneira como eles me deram a conhecer tantos e tão bons folksingers daqueles anos 60/70. Tal como sucedeu com o Jerry Jeff Walker de texto recente, também só cheguei a John Prine por intermédio de Denver e por isso seria mais que justificável pôr aqui a sua versão. Mas o pobre Prine morreu há pouca mais de dois anos e eu nem uma palavrinha lhe dediquei, embora tivesse chegado a pensar nisso. Assim sendo e a título excecional, dar-vos-ei a ouvir ambas as versões. 

Ouvindo a música e lendo a sua “letra”, perceberão que a ironia de John Prine está a léguas do lirismo de Eric Andersen… 


SPANISH PIPE DREAM / BLOW-UP YOUR TV

“She was a level-headed dancer
On the road to alcohol
And I was just a soldier on my way to Montreal

Well, she pressed her chest against me
About the time the juke box broke
Yeah, she give me a peck
On the back of the neck
And these are the words she spoke

"Blow up your TV
Throw away your paper
Go to the country
Build you a home
Plant a little garden
Eat a lot of peaches
Try an' find Jesus on your own"

Well, I sat there at the table
And I acted real naive
For I knew that topless lady
Had something up her sleeve

Well, she danced around the bar room
And she did the hoochie-coo
Yeah, she sang her song all night long
Tellin' me what to do

"Blow up your TV
Throw away your paper
Go to the country
Build you a home
Plant a little garden
Eat a lot of peaches
Try an' find Jesus on your own"

Well, I was young and hungry
And about to leave that place
When just as I was leavin'
Well, she looked me in the face

I said, "You must know the answer"
She said, "No, but I'll give it a try"
And to this very day, we've been livin' our way
Here is the reason why

We blew up our TV
Threw away our paper
Went to the country
Built us a home
Had a lot of children
Fed 'em on peaches
They all found Jesus on their own

O terceiro e último exemplo será “I’m Gonna Be a Country Girl Again”, que a canadiana Buffy Sainte-Marie compôs e que faz parte do seu álbum com o mesmo nome, lançado em 1968.

Quando se refere ao campo, Buffy sabe bem do que fala porque nasceu na reserva índia de Saskatchewan, no Canada (lembram-se do filme do Raoul Walsh…?) e, não obstante ter vindo muito cedo para os Estados Unidos com os seus pais adotivos, casou com um índio e sempre permaneceu ligada a essa comunidade durante toda a vida.


I’M GONNA BE A COUNTRY GIRL AGAIN    

“The rain is falling lightly on the buildings and the cars
I've said goodbye to city friends, department stores and bars
The lights of town are at my back, my heart is full of stars
And I'm gonna be a country girl again

Oh yes, I'm gonna be a country girl again
With an old brown dog and a big front porch and rabbits in the pen
I tell you, all the lights on Broadway don't amount to an acre green
And I'm gonna be a country girl again

I spent some time in study, oh, I've taken my degrees
And memorized my formula, my A's and B's and C's
But what I know came long ago and not from such as these
And I'm gonna be a country girl again

Oh yes, I'm gonna be a country girl again
With an old brown dog and a big front porch and rabbits in the pen
I tell you, all the lights on Broadway don't amount to an acre green
And I'm gonna be a country girl again

I've wandered in the hearts of men looking for the sign
But here I might learn happiness, I might learn peace of mind
The one who taught my lesson was the soft wind through the pines
I'm gonna be a country girl again

Oh yes, I'm gonna be a country girl again
With an old brown dog and a big front porch and rabbits in the pen
I tell you, all the lights on Broadway don't amount to an acre green
And I'm gonna be a country girl again

Oh yes, I'm gonna be a country girl again
With an old brown dog and a big front porch and rabbits in the pen
I tell you, all the lights on Broadway don't amount to an acre green
And I'm gonna be a country girl again”


And that’s all, folks…!

Não vou maçar-vos com mais comentários acerca destas músicas, já que elas falam perfeitamente por si.

Todas estas músicas me parecem ser muito bonitas, mas já se sabe que eu só gosto de “músicas de passarinhos”…! 

(Não é, Querido João…?)

Oiçam-nas ao mesmo tempo que leem as “letras”, porque, se for caso disso, vos facilitará a compreensão. 


Texto de Luís Miguel Mira

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