terça-feira, 7 de junho de 2022

CONHECES? JÁ LESTE?


Não é bem falta de assunto, também não tenho grandes prazeres em falar de António Lobo Antunes, mas no último texto em que abordei Lobo Antunes, penso que ficou qualquer coisa por dizer, se bem que agora não esteja a ver o quê.

Adiante.

Para voltar a dizer que não sei quem é o autor desse crime-de-lesa-pátria que nos impede de ter as crónicas do António Lobo Antunes publicadas em livro.

Acredito na possibilidade única do mau feitio do autor.

Quando começou a fazer parte da Colecção Pléiade., disse aos jornalistas que sonhara com este prémio desde a adolescência, assim como um qualquer jogador de futebol quando entra num dos clubes grandes.

«É o maior reconhecimento que se pode ter enquanto escritor, muito maior do que o Nobel.», acrescentou.

Tirando as crónicas, Lobo Antunes deixou de me interessar.

Mas sei que tem alguns pedaços de prosa bem interessantes, principalmente nos primeiros livros que publicou e que eu balizo até à Exortação dos Crocodilos

Mas recordo o início de Os Cus de Judas, um verdadeiro achado.

«Do que eu gostava mais no Jardim Zoológico era do ringue de patinagem sob as árvores e do professor preto muito direito a deslizar para trás no cimento em elipses vagarosas sem mover um músculo sequer, rodeado de meninas de saias curtas e botas brancas, que, se falassem, possuíam seguramente vozes tão de gaze como as que nos aeroportos anunciam a partida dos aviões, sílabas de algodão que se dissolvem nos ouvidos à maneira de fins de rebuçado na concha da língua.»

No entanto, Lobo Antunes também tem atitudes de clareza e decência e em que realmente se porta como um ser humano, longe dos dias, quase sempre,  em que é rancoroso, arrogante, odioso, ciumento por tão ter alcançado a aura de José Saramago, com quem nada aprendeu.

Pego no 2º volume das suas crónicas e releio a que dedicou ao livreiro e escritor José Antunes Ribeiro. E só pelo José Antunes Ribeiro, pelo que foi, e é, justifica o ter tra

Copio:

«Há pessoas que gostam de livros. Há pessoas que vendem livros. Há pessoas que ditam livros. Conheço uma única pessoa que, por amor deles, os vende, os edita, os coleciona, os lê e, coisa ainda mais incomum, não sendo rico os oferece àqueles que considera partilharem da sua paixão; chama-se José Ribeiro, José Antunes Ribeiro e tem a inocência generosa de um menino por baixo dos caracóis grisalhos, do sorriso largo, dos óculos quase tão transparentes como os olhos, do dedinho minucioso a inventariar lombadas. Fez a Assírio & Alvim, fez a Ulmeiro e tirando os momentos em que surge por acaso à superfície da terra, alegre de uma timidez enternecida, habita uma cavezinha de Benfica, três ou quatro compartimentos pequenos semelhantes a corredores, a copas, a casulos, a nichozitos de abelha onde o seu corpo grande se move numa agilidade insuspeitada entre páginas e páginas impressas, mostrando, procurando, dando

- Tens isto?

- Conheces?

- Já leste»

no orgulho humilde, fraternal, de que a sua amizade limpidamente feita.»

Legenda: Aqui era a editora, o alfarrabista, a Livraria Ulmeiro na Avenida do Uruguai em Benfica.

 

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