quarta-feira, 1 de junho de 2022

OS ITINERÁRIOS DO EDUARDO


 O Eduardo gostava de cinema.

Quando a televisão no que toca à Sétima Arte não se tinha tornado no esgoto a céu aberto que hoje é, semanalmente o Eduardo publicava uma crónica na revista semanal TV Filmes que publicitava os filmes a transmitir pela televisão, a geral e as de Cabo, salvo erro apenas o Canal Hollywood.

A Teorema, em devido tempo, publicou essas crónicas em livro, a que deu o mesmo título das crónicas Outras Fitas, livro que o Eduardo dedicou ao Alberto Pinto e às amigas e amigos do Grupo Jantarista do Cais do Sodré.

Os itinerários do Eduardo tinham o caminho dos pequenos restaurantes e dos pequenos cafés do Bairro Alto.

Por uma noite andava à procura de tema para a crónica e, sentado num daqueles pequenos restaurantes a coisa apareceu, e acabou por sair, mais tarde, do cinema com uma vontade doida e única de dançar em plena Avenida da Liberdade e talvez gritar Toda Gente Diz que te amo.

Assim, tal qual se lê na página 55 do livrinho:

Eram seis meninas, num jantar de aniversário, num restaurante do Bairro Alto, e lá estava ele, sozinho, numa mesa em frente, ouvidos atentos à conversa. Falavam de festas, de roupas, de namorados. E, quase todas, à volta dos 19 anos, recordavam episódios com o pai de cada uma.

 Quando chegou a altura do Parabéns a você – a aniversariante chamava-se Mafalda – juntou a sua voz ao coro e ergueu o copo num brinde. Trouxeram-Ihe uma fatia do bolo de anos e, assim, uma certa cumplicidade se instalou na saleta. Eugénio, o patrão, aumentou a simpatia e ofereceu-1he um charuto cubano. 

À saída, ele perguntou à Mafalda qual o último filme que tinha visto, esperançado que fosse o Toda a Gente Diz que te Amo, do Woody Allen. Mas, surpreendido, ela falou-Ihe no Poder Absoluto, do Clint Eastwood, de que parece não ter gostado. E outro?, indagou ainda. O Paciente Inglês, respondeu a Mafalda. Desse já falei, disse ele, e despediu-se, deixando as seis meninas atrapalhadas com o insólito daquele questionário, quase a queima-roupa. 

Pois é, o tipo procurava um pretexto para ligar a fita do Woody Allen, que ainda não tinha visto, a uma situação que podia ter a ver com os enredos dos filmes desse realizador que ele tanto admira. Os pais divorciados, a psicanálise, o contraste das gerações e as aproximações inter-etárias. 

Para ligar mais as coisas, no dia de Santo António, patrono dos namorados, avançou, ao fim da tarde, até ao São Jorge, de tão gratas memórias, para ver Toda a Gente Diz que te Amo. E, mais uma vez ele agradece ao Woody Allen, o ter-lhe proporcionado momentos de quase exaltação, com esta comédia, mais que musical, de homenagem ao musical. 

Entre Nova Iorque, Veneza e Paris, a história gira à roda de encontros e desencontros, pontuada com momentos musicais, alguns bem divertidos, como a cena dos bailados num hospital ou na cena do velório do avô, com fantasmas bailarinos a insistirem que a vida são dois dias e nós já vamos no segundo. 

Depois há o enredo amoroso entre Woody Allen e Julia Roberts (cada vez mais bonita), com esse delicioso "jogging" pelo percurso labiríntico das ruelas de Veneza, junto aos canais, e o encontro nocturno, numa escadaria, com as "deixas" de Woody, ensinadas pela sua filha na fita, que sabia tudo da personalidade da outra, por tê-la ouvido e visto, às escondidas, em sessões de psicanálise.

O humor está sempre presente em Toda a Gente Diz que te Amo, com as personagens definidas pelo realizador, em diálogos certeiros e hábeis momentos musicais. De realçar a homenagem, quase no final, aos irmãos Marx, num Natal parisiense, e a apoteose, com a dança de Woody Allen e Goldie Hawn, com Goldie a flutuar sob as pontes do Sena. 

Saiu do São Jorge, também com vontade de dançar na Avenida da Liberdade e, como de costume, a sentir-se uma das personagens da fita que tinha acabado de ver. Agora, se voltar a ver aquelas seis meninas do início da história, especialmente a tal Mafalda, ele, sem razão aparente, irá murmurar apenas isto: Toda a Gente Diz que te Amo.

1 comentário:

Seve disse...

No que se refere à televisão esta tornou-se efectivamente um esgoto a céu aberto e não só no que toca à Sétima Arte.
É uma miséria absoluta com imbecis de todo o tamanho, em todos os canais, dizendo as maiores barbaridades. É confrangedor ver tanto amadorismo e, sobretudo, tanto analfabetismo em todos os canais. Autênticos bárbaros a bolsar imbecilidades atrás de imbecilidades.
O analfabetismo é gritante!