sábado, 11 de junho de 2022

MR. BOJANGLES


Tenho andado por aqui com alguns problemas de consciência por ter louvado a memória de Paul Siebel e nada ter dito acerca de Jerry Jeff Walker.

No início das suas carreiras, muitas coisas aproximaram estes dois folksingers. No final, quase tudo os separou

Ambos eram originários do distrito de Nova York e ambos iniciaram as suas carreiras nos bares de Greenwich Village, em meados dos anos 60 do século passado.

Foram cúmplices e amigos, chegando até a partilhar o mesmo apartamento durante algum tempo.

E ambos gravaram o seu primeiro álbum com a ajuda indispensável de amigos comuns, à cabeça dos quais se encontrava o inseparável David Bromberg.

Apesar de 5 anos mais novo do que Paul Siebel, Jerry Jeff foi o primeiro a gravar, em 1968, com 26 anos. Siebel só gravaria o seu primeiro álbum dois anos mais tarde, com 33 anos.

A partir daqui tudo os separa.

Siebel era melancólico e introvertido.

Walker, pelo contrário, era alegre, exuberante, extrovertido

Jerry Jeff Walker teve a sorte de, logo no seu primeiro álbum, ter uma canção que se tornou um grande sucesso, não pela sua própria voz, mas, como sucedeu com tantos outros folksingers daquela época, pela voz de muitos outros intérpretes, que certamente lhe proporcionaram saborosas royalties.  Essa canção chama-se “Mr. Bojangles”, mas já lá iremos com mais calma.

Siebel, por seu lado, nunca teve um verdadeiro grande sucesso, embora “Louise” tenha sido a que dele mais se aproximou. Como vos contei, gravou dois álbuns de originais de enfiada em 1970 e 1972, na mesma editora (a Elektra). Depois só voltaria a dar sinais de vida com um novo álbum ao vivo nos finais dessa década, para a seguir  desaparecer, de vez, vindo a acabar os seus dias há pouco mais de dois meses numa cidadezinha do Maryland, completamente esquecido e tendo como última profissão conhecida a de honrado, mas humilde, funcionário camarário. 

Jerry Jeff Walker gravou várias músicas de Paul Siebel, mas este nunca teve oportunidade de lhe retribuir o gesto. 

De Jerry Jeff existem muitos registos filmados disponíveis no YouTube. De Siebel, praticamente nada…

Não admira…

Ao longo da sua carreira, sem contar com coletâneas, discos ao vivo e colaborações com outros intérpretes, Jerry Jeff terá gravado mais de vinte álbuns de originais, embora relativamente poucos nos seus últimos 20 anos de vida. Um dos últimos foi, aliás, o muito agradável “Jerry Jeff Jazz”, de 2003, no qual se aventurou pelos standards da música popular americana, muito antes de Bob Dylan ter feito o mesmo.

Enquanto Siebel sempre gravou os seus originais na Elektra, Jerry Jeff também por lá passou, mas gravou, igualmente, na Vanguard, na ATCO e na MCA, antes de lançar, em 1986, a sua própria editora (a “Tried & True Music”).

Em meados dos anos 70 Jerry Jeff mudou-se, de vez, para Austin, no Texas, e aí se juntou a um grupo de músicos que integrava Willie Nelson e Waylong Jennings (que já lá estavam antes…), mas também Guy Clark, Townes Van Zandt e, mais tarde, Lucinda Williams, os quais foram responsáveis por uma autêntica renovação da “Country Music”, elevando-a a patamares de qualidade mais elevados e levando muito boa gente a afirmar que foi Austin, e não Nashville, o centro nevrálgico da “country” de maior qualidade nas últimas décadas.   

É também em Austin que se realiza um dos melhores Festivais de Música  dos Estados Unidos: o “Austin City Limits”, onde os “foleiros” de Nashville não entram e só lá vai gente de grande qualidade.


Enquanto Siebel terá vivido os seus últimos anos de vida de uma forma remediada, Jerry Jeff teve uma vida relativamente desafogada e até se deu ao luxo de possuir uma casa de praia em Belize, na qual chegou a gravar um disco (“Cowboy Boots & Bathing Suits”, de 1998).

Morreria em Outubro de 2020, de um cancro na garganta. Mas ainda foi a tempo de publicar uma autobiografia, “Gypsy Songman”, cujo título retoma o de uma das suas últimas coletâneas de música.

Mas da vida de Jerry Jeff já basta… 

Passemos a “Mr. Bojangles”, que faz parte do seu primeiro álbum de originais com o mesmo nome, lançado em 1968, como já atrás vos disse.

Tenho-vos dito aqui que umas das maravilhas da Folk é a fazer música sobre todos os aspetos da vida e de retratar personagens muito distintos uns dos outros, desde figuras notáveis (por bons ou por maus motivos…)  da História dos Estados Unidos até aos mais humildes e miseráveis da sua Sociedade. E de dar tanta dignidade humana a uns como a outros, como vos mostrei recentemente com a “Louise” do Paul Siebel.

“Mr. Bojangles” trata de outro desses vencidos da vida…


Parece que em 1965, devido a posse e/ou consumo de estupefacientes, Jerry Jeff Walker terá passado algum tempo (não sei quanto…) numa prisão de New Orleans e, entre os  prisioneiros que lá se encontravam, estava um que se recusava a dizer o seu verdadeiro nome e se apresentava como sendo “Mr. Bojangles”, em homenagem ao ator/dançarino negro Bill “Bojangles” Robinson que nos lembramos de ver em musicais dos anos 30 a dançar com o Shirley Temple. 

Esse homem – branco, ao que consta… -  era um “sem abrigo” que ganhava a sua vida a executar nos bares e na rua números de sapateado à maneira do verdadeiro “Bojangles” e  tinha ido dentro, na companhia de outros comparsas, sob suspeita de ter participado num assassinato local. Parece que o terão arrebanhado numa lógica de ele ser, sempre, um dos “suspeitos do costume”…  No passado teria sido um ator de  minstrel shows que percorrera todo o Sul na companhia de um cão, com o qual partilhava um número. Mas o cão, entretanto, morrera, deixando o pobre “Bojangles” entregue à sua sorte.

Com medo de se comprometer caso falasse demais, o homem pouco mais contava da sua vida e, em plena prisão, expressava-se pela dança. Ria em permanência e saltava alto, muito alto, o que fazia a alegria dos presentes, incluindo a de Jerry Jeff que lhe apanhou o “boneco” para a música cuja letra vos passo a apresentar:  

“I knew a man "Bojangles", and he danced for you
In worn out shoes
Silver hair, a ragged shirt and baggy pants
The old soft shoe

He jumped so high
He jumped so high
And then he'd lightly touch down

Mr. Bojangles
Mr. Bojangles
Mr. Bojangles
Dance

I met him in a cell in New Orleans, I was
Down and out
He looked to me to be the eyes of age
As the spoke ran out

He talked of life
He talked of life
He laughed, clicked his heels and stepped

He said his name "Bojangles", and he danced a lick
Across the cell
He grabbed his pants and feathered stance
Oh, he jumped so high
Then he clicked his heels

He let go a laugh
He let go a laugh
Shook back his clothes all around

Mr. Bojangles
Mr. Bojangles
Mr. Bojangles
Dance

He danced for those in minstrel shows and county fairs
Throughout the south
He spoke with tears of fifteen years how his dog and him
Travelled about
The dog up and died, he up and died
After twenty years he still grieves

He said, "I dance now at every chance in honky tonks
For drinks and tips
But most the time I spend behind these county bars
'Cause I drinks a bit"

He shook his head
And as he shook his head
I heard someone ask him "Please"
Please

Mr. Bojangles
Mr. Bojangles
Mr. Bojangles
Dance”


E assim se fez um sucesso na Folk Music

Não pela voz do próprio Jerry Jeff, como já vos disse, cuja versão nunca voou muito alto. Mas por gente célebre como Sammy Davis Jr, Nina Simone, John Denver, Bob Dylan, Neil Diamond ou os The Nitty Gritty Dirt Band, que foram aqueles que parece terem tido maior sucesso de vendas, embora eu não ache muita graça à sua versão. 

Lembro-me de ter ouvido pela primeira vez essa música pela voz de John Denver, no álbum “Whose Garden Was This”, de 1970, e só depois fui saber quem era Jerry Jeff Walker. 


Deixo-vos com três versões: a de John Denver, por ter sido a primeira que ouvi, a da Nina Simone, porque é um registo diferente de todos os outros, e uma versão do próprio Jerry Jeff, não a original de 1968, mas outra que fez quase vinte anos mais tarde para a coletânea “Gypsy Songman” e que é instrumentalmente mais rica.   

Quanto a Jerry Jeff Walker, esse deve ter acendido uma velinha e abençoado o polícia que o obrigou a passar aquela noite na prisão… 


Texto de Luís Miguel Mira

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