sexta-feira, 23 de setembro de 2022

QUOTIDIANOS


 Assistir à chegada do Outono enfrentando uma temperatura de perto de 30º.

O Outono passeando-se na rua disfarçado de Verão.

O Outono visto por Robert Walser numa tradução de Cristina Fernandes:

«Quando o Outono chega, as folhas caem das árvores para o chão. Aliás, devia dizer: quando as folhas caem, é Outono. Preciso de melhorar o meu estilo. Na minha última redacção escreveram: estilo lamentável. Acho isto preocupante, mas não consigo mudar. Gosto do Outono e pronto. O ar fica mais fresco, todas as coisas sobre a terra parecem de repente tão diferentes, as manhãs são fulgurantes e esplêndidas e as noites deliciosamente frias. Mesmo assim, passeamos até muito tarde. Sobre a cidade, a montanha apresenta cores bonitas, e é triste pensar que elas já anunciam o seu próprio desaparecimento. Em breve vai andar neve pelo ar. Também gosto da neve embora seja desagradável vaguear por aí com os pés frios e molhados. Mas então para que é que servem as pantufas quentes e fofas e a casa aquecida? Só tenho pena das crianças pobres que, eu bem sei, não têm a casa quente. Como deve ser horrível andar às voltas sempre gelado. Não seria capaz de fazer o meu trabalho de casa, morreria, sim, sem dúvida alguma morreria se fosse pobre. Como estão as árvores! Os seus ramos ferem o ar cinzento como punhais afiados e vêem-se corvos, o que raramente acontece. Deixa de se ouvir o canto dos pássaros. A natureza é qualquer coisa. O modo como se veste de novas cores, muda de roupa, põe e tira máscaras! Esquisito. Se fosse pintor, o que não está fora de questão, pois ninguém sabe o seu destino, muito gostaria de ser um pintor do Outono. O meu único receio é que as minhas cores não estejam à altura. Talvez ainda saiba demasiado pouco sobre o Outono. Mas para quê preocupar-me com algo que ainda não aconteceu? Ao fim e ao cabo é ao presente que me devo dedicar. Onde é que já ouvi isto? De certeza que já ouvi estas palavras em algum lado, possivelmente ao meu irmão mais velho que anda na universidade. Daqui a pouco é Inverno, a neve cairá em torvelinhos, oh, estou tão ansioso por isso! Quando tudo fica completamente branco, estudamos muito melhor. As cores podem atrapalhar a nossa memória. As cores são um caos delicioso. Gosto de coisas de uma só cor, de uma só tonalidade. A neve é uma canção bastante monótona. Porque é que uma cor não nos há-de tocar como uma canção! O branco é um murmúrio, um sussurro, uma prece. As cores de fogo, como estas do Outono, são gritos. O verde do pino do Verão é uma canção para várias vozes no tom mais agudo. Será isto verdade? Não tenho a certeza se está certo. Bom, o professor terá a amabilidade de me corrigir. — Tudo no mundo parece voar! O Natal já está à porta, daqui ao Ano Novo é um saltinho e daí à Primavera outro tanto, tudo avança, passo a passo. Seria de tolo querer contá-los. Não gosto de números. Sou mau a matemática embora as minhas notas sejam razoáveis. Nunca serei um homem de negócios, desconfio. Por isso os meus pais não me puseram a praticar. Eu fugiria e com que é que eles ficariam? Mas, já falei o suficiente sobre o Outono? Escrevi umas coisas sobre a neve. Isso vai dar uma boa nota na minha caderneta. As notas são uma invenção estúpida. Tive um "A" em canto e não sei cantar uma nota. Então como é? Deveriam dar-nos maçãs em vez de notas. Mas, depois, acho eu, teriam que distribuir tantas maçãs. Oh!

2 comentários:

Seve disse...

Robert Walser - um escritor que me falta descobrir. Já tive oportunidade de ler uns dados biográficos deste interessante e misterioso ser humano e ao que parece com o seu quê de loucura que até, creio, o levou ao internamento no "Júlio de Matos-suiço-".

Sammy, o paquete disse...

Caro Seve: também ando em busca da oportunidade para descobrir Robert Walser.
Fica-me a esperança que isso acontela porque só tenho lido coisas soltas.