quarta-feira, 14 de setembro de 2022

VIVO BEM SEM A RAÍNHA ISABEL II?

«Uma autopromoção de um programa da rádio Observador na sexta-feira perguntava: "Como vamos viver sem a Rainha Isabel II?". Depois deixava um número de telefone a convidar os ouvintes a discutir tal putativa orfandade com os jornalistas José Manuel Fernandes e Helena Matos. Esta pequena vaga do maremoto mediático que se seguiu ao falecimento, na véspera, da monarca britânica, com uma torrente de jornalistas, comentadores, historiadores e diplomatas portugueses a lançar ondas e ondas de relatos, comentários e textos sobre o tema, numa inundação asfixiante que se vai prolongar, pelo menos, até ao dia do funeral da monarca britânica (e para o qual, de resto, também contribuo), deixou-me perplexo.

A pergunta colocada pelo Observador pressupõe que eu, cidadão português, não-britânico, eleitor de uma República que gritou na versão original do seu hino "contra os bretões, marchar!, marchar!", devo sentir a falta da rainha Isabel II?

Que mecanismos criam esta expectativa de simpatia lusitana para com a mãe do agora Carlos III?

(…)

Esta atração de tantos jornalistas portugueses pela monarquia inglesa, este encanto pela "ideia agradável" de ver uma família no trono, este sentimento de perda de uma "mãe da nação" (que não é da nossa nação) pressupõe uma disposição para a aceitação de um domínio aristocrático desse tipo para Portugal, de vontade de adoção de um sistema com "partes dignas" que sirva de "disfarce" para a impopularidade das "partes eficientes" da governação, de redução do poder popular (e mesmo da classe média) nas instituições da nossa democracia.

Esta cumplicidade com a monarquia britânica que tantos jornalistas portugueses proclamam, mesmo inconscientemente, é conivente com a ideia de retirar poder aos mais fracos para fortalecer o poder dos mais fortes.

Por mim vivo bem sem a rainha Isabel II, uma pessoa respeitável e com evidentes méritos, mas que foi peça de um mecanismo de perpetuação de privilégio da classe aristocrática o que, para mim, é inaceitável por ser a eternização de um sistema onde uma parte da humanidade, por direito de linhagem, explora outra parte da humanidade. Isso chama-se injustiça.»

 

Pedro Tadeu no Diário de Notícias

1 comentário:

Seve disse...

Gente que até a sanita leva para onde quer que se desloque ... (tudo à conta do orçamento claro-mas parece até que, segundo dizem- os seus imensos subditos gostam-)...