domingo, 12 de novembro de 2023

OLHAR AS CAPAS


Diário de Um Pároco de Aldeia

Georges Bernanos

Tradução e Prefácio: João Gaspar Simões

Editora Ulisseia, Lisboa, Agosto de 1955

A minha paróquia é uma paróquia como qualquer outra. Naturalmente todas as paróquias dos nossos dias se assemelham. Ainda ontem dizia isso mesmo ao senhor prior de Norenfontes: nelas, o bem e o mal devem equilibrar-se simplesmente. É o seu centro de gravidade que está situado baixo, muito baixo. Ou, se acharem melhor, um e outro sobrepõem-se sem se misturarem, como dois líquidos de densidades diferentes. O senhor prior riu-se-me nas bochechas. É um bom sacerdote, muito indulgente, muito paternal, que até mesmo no arcebispado goza da fama de espírito forte, um tudo-nada perigoso. Os seus gracejos são a alegria dos presbíteros, e ele sublinha-os com um olhar que gostaria fosse cheio de vivacidade e que a mim se me afigura, no fundo, tão gasto, tão lasso, que me dá vontade de chorar.

À minha paróquia devora-a o tédio, é esta palavra exata. Como tantas outras paróquias! E o tédio consome-as a olhos vistos, e nós sem nada podermos fazer. Não tarda muito que estejamos contagiados e venhamos a encontrar esse cancro dentro de nós mesmos. Pode viver-se muito tempo com tal doença.

Ocorreu-me isto ontem em plena estrada. Caía uma destas morrinhas que nos entram pelos pulmões dentro e nos chegam até às entranhas. Do alto da encosta de Saint-Vaast a aldeia apareceu-me bruscamente tão atarracada, tão miserável sob aquele horrível céu de novembro... A água fumegava de todos os lados e a aldeia dava a impressão de ter-se agachado ali, sobre a erva encharcada, como um pobre animal exausto. Que coisa insignificante, uma aldeia! E esta era a minha paróquia. Era a minha paróquia, e eu nada podia fazer por ela; limitava-me a vê-la tristemente afundar-se na noite, desaparecer... Mais algum tempo e deixaria de a ver para sempre. Nunca sentira tão cruelmente a sua e a minha solidão. Lembrava-me do rebanho que estava a ouvir resfolgar no meio da neblina e que o pastorinho, de regresso da escola, com a saca dos livros debaixo do braço, iria reconduzir, dentro de pouco, através dos prados empapados, até aos seus estábulos quentes, odorantes...

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