quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

AS COISAS SÃO O QUE SÂO


Recusam-se a pensar.
Mesmo a apenas três dias do natal, o momento em que Deus se fez homem na palha de uma gruta, a maioria das pessoas precipita-se atrás de tudo o que pensa ser diversão, entretenimento, consumo, modismo.
Vão acabar exaustos, atordoados de tanta correria. É como se estourassem de inconsciência, na periferia de si próprios e de um mundo de cujo mistério nem sequer querem ouvir falar.
São multidões de solitários. Fogem de qualquer luta, afrouxam-se em submissões, aceitam não ser donos deles mesmos.
Nem sequer sabem que estão sós porque a solidão desliza sobre eles sem deixar vestígios como a água na pena dos cisnes.
Todos nós somos convidados para entrar num castelo, diariamente, vá lá saber-se por quem. Pode o castelo estar cheio de esplendores e de multidão ruidosa que não deixará de acabar em sepulcro, mais depressa do que seria de esperar, se não desconfiarmos dessa exaltação de fraquezas e se, quando ficarmos sem fôlego, não soubermos que esse é o momento de nos reencontrarmos, reconquistando a dignidade e a personalidade.
O castelo é um inferno onde cada instante é um milagre. Agarrar esses instantes, que formam o tempo, escapar da ladainha dos que mergulharam no ruído, viver como um desafio, ter a honra de não se submeter a quem não merece submissão e de depender do amor de quem merece essa dependência, é o que deveria ser - se pensássemos.
Mas só quando se está cansado de nunca estar só é possível vencer a violência da solidão e pensar no que vale a pena.
As coisas são o que são.

Vitor Cunha Rego

Legenda: Pintura de Paul Cezanne

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