segunda-feira, 21 de março de 2011

OLHARES


Não devemos adiar conversas mais de vinte anos e tirei a conversa do espeto com Delmiro, o galego. O Delmiro trabalha na casa Os Perus, à praça do Chile, a vinte metros da estátua de Fernão de Magalhaes, é a cervejaria com dois grandes machos de leque aberto no “placard” da porta, mas nunca lá assou perus, só frangos.
Sao os melhores do mundo que conheço, e já dei umas voltas, sao muito anos a assar frangos, diz-se, mas aqui é uma vida. Comi no Chile, na fronteira como Peru, em Arica, ondes os pelicanos atravessam a rua fora da passadeira, os papos gigantes de escroto a abanar, e era um bom frango assado mas nao como o do Delmiro Candeira Gonzalez, o galego. Carvao com espeto: o frango sobe e desce patamares, rolando feliz nas brasas como a Terra ao Sol.
Há vinte anos vivi nesta zona onde mulheres de salto esclareciam a noite:
- Levas uma naifada nos tomates que tos abro até o pescoço...
mudei de casa sete vezes mas sempre cruzei Lisboa, uma vez por semana, pelos frangos do Delmiro. Os dias de futebol, europeus, mundiais, pedem-me frango. Nunca tivemos a conversa. Nem demos um passou-bem completo, ele estende o braço para nao me sujar, os dedos dourados de sal grosso, limao, louro e sumo picante de frango. Uma vez, Delmiro lembrou José Cardoso Pires a terminar as madrugadas na tasca ao lado, a antiga Casa dos Perus, hoje fechada, onde ele e o seu irmao poeta galego cresceram, mais nada.”

Rui Cardoso Martins, “Público”, 6 de Junho de 2010

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