domingo, 28 de julho de 2013

O AVILTAMENTO DE BRAÇOS CRUZADOS


Miguel Torga escreveu estas palavras no seu Diário, Volume  XIV, em 11 de Março de 1985.

O que magoa, e deixa um enorme rasgo de preocupação, é que poderiam ter sido escritas hoje:

Continua o entremez político. A mediocridade e o desplante instalaram-se a todos os níveis na governação, e Deus nos acuda. Mas não é a degradação da classe dirigente que mais me aflige. Nunca alimentei ilusões a esse respeito. O que verdadeiramente me mortifica é o desinteresse, a indiferença com que o país assiste ao espectáculo. Não se vislumbra o mínimo sinal de indignação. É um alheamento trágico, que presencia o aviltamento de braços cruzados, impassível, sem um resmungo, sem uma impaciência. Há horas colectivas más. Esta, para nós, é uma delas. Enquanto durou a ditadura confiávamos no futuro. Embora subjugados, éramos subversivos em pensamento. Tínhamos a esperança na vontade e a liberdade na imaginação. Agora, que fizemos a mais arbitrária revolução da nossa história, ficámos frustrados e desmotivados. Parecemos mortos a representar a vida no palco da nação.

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da imagem.

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