quinta-feira, 24 de outubro de 2013

SARAMAGUEANDO


Numa entrevista dada a José Carlos Vasconcelos, e publicada na Visão de 16 de Janeiro de 2003, José Saramago aborda o mundo dos Centros Comerciais:

Os ventos da história nem sempre são favoráveis. Como tento mostrar em «A Caverna.» É hoje patente que o único lugar limpo, iluminado, colorido, seguro, com música, nas cidades e já nas aldeias, que as pessoas frequentam e são felizes, é o centro comercial! Antigamente, a mentalidade humana formava-se na grande superfície das de uma catedral; hoje, forma-se na grande superfície de um centro comercial. O que diz tudo.

No 2º volume de O Caderno, volta ao tema e chama-lhe Outra Leitura para a Crise:

A mentalidade antiga formou-se numa grande superfície que se chamava catedral; agora forma-se noutra grande superfície que se chama centro comercial. O centro comercial não é apenas a nova igreja, a nova catedral, é também a nova universidade. O centro comercial ocupa um espaço importante na formação da mentalidade humana. Acabou-se a praça, o jardim ou a rua como espaço público e de intercâmbio. O centro comercial é o único espaço seguro e o que cria a nova mentalidade. Uma nova mentalidade temerosa de ser excluída, temerosa da expulsão do paraíso do consumo e por extensão da catedral das compras.
E agora, que temos? A crise.
Será que vamos voltar à praça ou à universidade? À filosofia?

No seu 1º Livro de Crónicas, António Lobo Antunes tem este áureo pedacinho:

Aos domingos a seguir ao almoço visto o fato de treino roxo e verde e os sapatos de ténis azuis, a Fernanda veste o fato de treino roxo e verde e os sapatos de salto alto do casamento, subo o fecho éclair até ao pescoço e ponho o fio de ouro com a amedalha por fora, a Fernanda sobe o fato de treino e põe os dois fios de oro com a medalha e o colar da madrinha por fora, tiramos o Roberto Carlos do berço, metemos-lhe o laço de cetim branco na cabeça, saímos de Alverca, apanhamos os meus sogros em Santa Iria da Azóia e passamos o domingo no Centro Comercial.

Orson Welles lembrou um dia que, neste mundo das grandes superfícies, haverá o dia em que teremos saudades do merceeiro da nossa rua.

Sem comentários: