terça-feira, 29 de outubro de 2013

A CAIR NO CAMPO DA ANEDOTA


29 de Outubro de 1968.

A doença de Salazar começa a entrar na rotina mais rotineira e a cair no campo da anedota.

O Notícias de Portugal, semanalmente, vai fazendo o resumo da evolução da doença, nunca deixando de realçar que continuam a rezar-se missas por todo o país pelas melhoras de Sua Excelência e que o Chefe de Estado continua a visitar o doente com regularidade.

Segundo O Séculoo sr. Prof. Bissaia Barreto informou os jornalistas que o Sr. Prof. Oliveira Salazar «já se encontra a dieta sintética e aproxima-se, agora, da dieta habitual. Nessa dieta só toma produtos portugueses.»

Augusto Abelaira soube, através de uma sobrinha de Marcello Caetano, que ele anda mais preocupado com os «ultras» de que com a Oposição.

José Gomes Ferreira não deixa de comentar: o que é vexatório para nós.

Anda José Gomes Ferreira:

Enquanto Cazal-Ribeiro, da Direcção da União nacional, da Legião Portuguesa e da Cidla, diz a quem o quer ouvir nos comícios diários:
- Esse comunista anda a dar cabo da obra de Salazar!
O «comunista» é o Marcelo!, o «Endireita da Esperança» - como também já lhe chamam esses pobres portugueses que só sabem contar anedotas e inventara apodos…

Finalize-se, hoje, este passear pelo tempo com um trecho de Caminhos Para uma Revolução de Jacinto Baptista (1) que, conjuntamente com os Dias Comuns de José Gomes Ferreira e o Notícias de Portugal, constituem a base de trabalho destas evocações:

Assim, Salazar, dado como morto ressuscita.
Um repórter do Diário Popular falou esta manhã, na Casa de Saúde da Cruz Vermelha, onde Salazar está hospitalizado, com o Prof. Bissaia Barreto, que diariamente visita o enfermo. E começou por recolher esta declaração:

- O Senhor Presidente dormiu muito bem, passou uma noite muito calma, com um sono reparador. De manhã, o seu espírito encontrava-se desanuviado. Conhece as pessoas que entram no seu quarto, profere o nome das pessoas conhecidas, a sua memória responde mesmo à evocação de factos passados.

O repórter pergunta depois ao Prof. Bissaia Barreto se esta recuperação permitia manter esperanças de ser dada alta, em breve, a Salazar. Respondeu (fé inabalável):

- Tenho a certeza de que pode ainda levar uma vida normal e escolher o seu próprio modo de vida. Tenho a certeza. O tempo não interessa em casos destes. O que interessa é que ele regresse à vida.

Mais tarde, em entrevista à Televisão, simultaneamente recolhida pelos jornais, Bissaia Barreto declarava:

- O Senhor Presidente estará, em breve, em condições de se ocupara da sua vida pessoal e da vida que interessa à Nação.

A Censura, desconcertada, inquieta, resolve suprimir, nesta frase, as palavras e da vida que interessa à Nação, que não leremos no jornal e todavia ouviremos à noite no telejornal. E a Televisão que, pelos vistos, aposta na ressurreição de Salazar, vai mais longe, citando o Prof. Eduardo Coelho como tendo declarado que se esperava, no enfermo, uma recuperação psíquica da ordem dos oitenta a noventa por cento, motora de sessenta a setenta por cento. E Como Salazar, segundo Eduardo Coelho, tinha uma cabeça que valia por seis cabeças normais, mesmo que só recuperasse um sexto, ainda ficaria bem.


(1)   Caminhos para a Revolução, Jacinto Baptista,  Livraria Bertrand, Lisboa Abril de 1975.

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