quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O JUSTO JUÍZO VEM SEMPRE DEPOIS...



 Há 19 anos morria Fernando Lopes-Graça.

Sabe-se a importância que tem na cultura portuguesa, nada mais há a acrescentar, o importante é nunca esquecê-lo.

Fui buscar esta data por motivos que têm a ver a ver com o problema da solidão em Fernando Lopes-Graça

Perguntado sobre essa história da solidão, o Alexandre O’ Neill respondeu:

A procurada é boa, a não procurada às vezes é chata.

Fernando Lopes, durante a sua vida, enfrentou grandes dificuldades.

Nos anos 60 chegou a passar fome, a ditadura persegui-o implacavelmente, mas toda a sua vida foi uma luta desesperada contra a solidão.

Em 1940 é-lhe proposto dirigir os Serviços de Música da Emissora Nacional. Não chega a tomar posse do cargo porque recusa assinar a declaração de repúdio activo do comunismo e de todas as ideias subversivas que, então, era exigida a todos os funcionários públicos.

Numa noite em que o acompanhava até à sua casa na Parede, Olga Prats ouviu-lhe a amargura:

Eu agora não queria ficar sozinho, fosse quem fosse, homem ou mulher, rapaz ou rapariga, nem que fosse um cão.

Para os seus amigos era o Graça.

Para alguns, um homem brilhante e especial, para outros pessoa de trato difícil., uns e outros sem nunca colocarem em cauda o ser uma das grandes figuras da cultura portuguesa.

Na entrada que colocou no 1º volume dos Cadernos de Lanzarote, dois dias depois da morte, de Lopes-Graça, José Saramago escreveu:

 Morreu o Fernando Lopes-Graça. Telefonaram hoje da TSF, muito cedo, para pedir-me, como depois verifiquei no gravador, o cumprimento desse dever mediático a que se dá o nome de depoimento. Deixaram números de telefone, mas não liguei. Por pudor acho eu. E agora acabo de saber, por Carmélia, que o Graça morreu sozinho. Creio que esta última solidão me doeu mais ainda que a própria morte. Não vai faltar quem diga que o Lopes Graça morrendo aos 88 anos, tinha vivido já a sua vida. Como frase de consolação, talvez sirva para quem se satisfaça com o que lhe foi dado. Por mim, penso que nunca acabamos de viver a nossa vida.

Nesse dia, José Saramago não ligou para a TSF, mas dias depois, escreveu um depoimento para o JL, que também pode ser lido nos Cadernos:

Morreu o querido Graça, o amigo do coração, o camarada fidelíssimo e leal. Tudo isso acabou. Sim, já sei, a recordação, a memória, a saudade, a lembrança. Essas coisas duram, de facto, mas porque duram, cansam. Um dia destes a evocação de Lopes-Graça só causará uma leve mágoa, que disfarçaremos contando uma das sua mil vezes repetidas anedotas. Buscaremos então o Graça onde ele verdadeiramente sempre esteve: nos seus livros, de uma linguagem puríssima que poderia servir de lição a escritores, principiando por este; nos seus discos, mas também nas salas de concerto, que não lhe abriram tanto quanto deveriam enquanto viveu. O homem acabou, não podemos pedir-lhe mais nada, mas a obra aí ficou, à espera do que sejamos capazes de pedir a nós próprios. O justo juízo vem sempre depois, quase sempre tarde de mais. Talvez seja essa a causa do amargor de boca que sinto ao terminar estas linhas.

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