segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O POETA MILITANTE


No dia 29 de Fevereiro de 1980, José Gomes Ferreira decide tornar-se militante do Partido Comunista Português.

Na Soeiro Pereira Gomes é recebido por Carlos Aboim Inglês, responsável pelo Sector Intelectual.

È esse camarada que, no Avante de 6 de Março, torna pública a notícia:

Camarada!

Dia 29 de Fevereiro de 1980, pelas cinco e meia da tarde, chuvosa, caminhaste pelas ruas com o passo firme da tua alma grande e vieste bater à porta da nossa Casa, na Soeiro Pereira Gomes. Na fala directa de quem pensou e se decidiu em consciência disseste enxutamente ao que vinhas: que te aceitássemos como membro do Partido Comunista Português. Aos 80 anos. Em coerência com toda uma vida, repensada e assumida. Dando resposta combativa a um presente que não é fácil. De olhos postos, juvenis, no futuro que faremos, que fazemos.
As tuas palavras, o teu acto, tinha aquele peso e asas que pões em tudo. Simples, como as coisas verdadeiras do coração. Como um acto lúcido que se cumpre na hora, por determinação de homem independente que sempre foste e serás. De homem solidário que és, de raiz – poeta militante, companheiro dos homens que sofrem, sonham e lutam. E que, juntos como os dedos da mão, de mãos dadas, hão-de chegar ao fim da estrada e depois hão-de rasgar as estradas novas de Portugal livre, independente, socialista, para os homens novos que estão nascendo já.

Ficámos de te dar resposta. E. ressalvando embora a pública notícia, que não está nos nossos usos, mas que a luta aconselha nestes tempos de promoção, de crescimento necessário, aqui estamos para te responder dizendo apenas, com respeito e alegria compartilhada decerto por todo o grande colectivo fraternal do nosso Partido – que te saudamos, camarada! Abril vencerá!


Com a sua pontinha de veneno-inveja, Vergílio Ferreira escreve no 3º volume do seu Conta-Corrente:

Aqui há dias a imprensa noticiou que o José Gomes Ferreira (aproveitando a circunstância de o ano ser bissexto?) no dia 29 de Fevereiro se inscreveu no PC. Aqui há semanas, e a propósito de um programa da TV, levantou-se grande celeuma sobre se Guerra Junqueiro era um poeta maior ou menos e ventilou-se ainda a questão sobre se ele, à hora do fim, se teria convertido à Igreja Católica. E, uma vez mais, é curiosos como a história se repete. Só que, no caso de Gomes Ferreira, ele inscreveu-se mesmo.

Nos seus Dias Comuns José Gomes Ferreira refere esse velho sonho de se filiar no Partido.

Dos Dias Comuns estão publicados 7 volumes.

1º Volume: Outubro de 1990
2º Volume: Setembro de 1998
3º Volume: Maio de 2000
4º Volume: Maio de 2004
5º Volume: Novembro de 2010
6º Volume: Janeiro de 2013
7º Volume: Março de 2015

Sete volumes publicados em 25 anos.

A caminho dos 71 anos, são nulas as expectativas de que venha a ler os restantes volumes dos Dias Comuns.

Na Leya não gostam de livros e apenas entendem a edição como algo que tem de gerar lucros.

Os livros dos pivots de televisão, ou treinadores de futebol, qualquer merdunça desde que se veja o guito.

Quem sabe quem é o José Gomes Ferreira?

Quem o lê?

É isso!

Pois!


Para sabermos dos passos diários de José Gomes Ferreira até se tornar militante do partido, teremos que nos socorrer dos textos desses diários que Raúl Hertnes Ferreira disponibilizou na Fotobiografia do poeta.

21 de Junho de 1978

Alguns amigos insistem para que eu me inscreva no Partido Comunista. Tenho resistido até agora e espero resistir.
- Mas tu és comunista – afirmam.
- Pois sou – respondo – Mas tão naturalmente como uma laranjeira dá laranjas. Sem necessidade de cartão.

17 de Junho de 1979

Alguns jornais falam do meu 80º aniversário do próximo ano e alguns insinuam que devem condecorar-me.
Como livrar-me dessa condecoração?
Hoje, lembrei-me de me inscrever no Partido Comunista.
Talvez não se atrevam a condecorar um comuna!

28 de Fevereiro de 1980

Hoje resolvi-me e fui pedir ao Aboim Inglês que me inscrevesse no Partido Comunista Português. Incomodava-me o facto de todos me considerarem pertencente ao Partido. Isto é, possuir tudo o que era positivo nele. Quanto aos defeitos evitava-os sem dificuldades.

4 de Março de 1980

Inscrevi-me no Partido Comunista. Exactamente no pior momento que este partido passa.
Esperei pacientemente pelo dia de hoje.

Também se lê na Fotobiografia que as últimas linhas dos seus Dias Comuns estão datadas de 25 de Maio de 1980 e fazem parte do 20º volume com o subtítulo A vida Corre sem a Elegância de uma Gazela.

Repito: pelos critérios mercantilistas da Leya, e com a idade que vou tendo, quantos mais volumes irei ler dos Dias Comuns do José Gomes Ferreira?

Uma angústia desenhada no horizonte do meu caminhar.

Não tenho por qualquer outro escritor, daqui ou dacolá, a ternura que tenho por José Gomes Ferreira.

Legenda:
      Fotografia de José Gomes Ferreira retirada da Fotobiografia.
      Fotografia de José Gomes Ferreira, numa manifestação de apoio à Reforma Agrária, retirada de Correio do Porto.
      Quadro de José Gomes Ferreira pintado por Mário Dionísio.

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