segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

SARAMAGUEANDO

                                                                                               
Em fim de mandato, os presidentes da república desatam a galardoar uma série de gente, irrelevante gente, que pode ir do cabeleiro da mulher ao fornecedor de suspensórios.

Na semana passada, Cavaco Silva, cumpriu essa tradição.

Acontece que entre os condecorados estava António Costa de Albuquerque de Sousa Lara, com a Ordem do Infante D. Henrique, destinada a quem houver prestado serviços relevantes a Portugal, no país e no estrangeiro.

Ora, Sousa Lara ficou para a história por ter tomado, como subsecretário da cultura, a iniciativa de vetar o Evangelho Segundo Jesus Cristo de José Saramago, da lista de candidatos ao Prémio Literário Europeu do ano de 1992.

Fiama Hasse Pais Brandão e Pedro Tamén, também estavam nessa lista, mas em solidariedade para com Saramago, pediram para ser excluídos da candidatura.

Ao tempo, Sousa Lara, um idiota vaidoso, argumentou que a obra não representava Portugal, e a sua moral pífia, de mera rata-de-sacristia, levou-o a bolsar que o livro ataca princípios que têm a ver com o património religioso dos cristãos e, portanto, donde em vez de unir os portugueses, desunia-os.

Era Santana Lopes o secretário de estado da cultura e Aníbal Cavaco Silva o primeiro-ministro, o tal que nunca se engana e raramente tem dúvidas.

Nem Santana, nem Lara foram demitidos e Cavaco Silva sempre concordou com a decisão. Lara referiu mais de uma vez que a sua decisão teve o apoio do primeiro-ministro.

Houve mesmo um jantar de homenagem a Lara no Muxaxo, no Guincho.
    
Entre os duzentos convivas, estavam ministros do governo, representando o espirito de Cavaco, que acabou por enviar  um telegrama de solidariedade e D. Duarte Pio, em discurso, afirmou, com elegância monárquica e cristã que o livro era uma merda.

Interrogada pelo Público em relação à atitude de Sousa Lara, Agustina Bessa-Luís respondeu: Foi um acto impolítico. Deviam-me ter perguntado, eu explicava tudo, ninguém percebia nada, mas ficavam todos contentes.

Por efeito do triste e lamentável acto censório de que foi vítima, José Saramago passou a viver em Lanzarote.

Quando o senhor Sousa Lara já nem a si mesmo se representar, eu ainda representarei este país, disse, então, Saramago ao Expresso.

Hoje, não existem dúvidas que o estúpido, o abjecto acto de censura que o governo de Cavaco Silva exarou sobre O Evangelho Segundo Jesus Cristo, desencadeou uma repercussão internacional, que fez voltar as atenções para a pessoa e o escritor José Saramago.

Do lamentável incidente governativo ao Nobel, foram apenas alguns passos.

Cavaco Silva, que não gosta de livros nem de comunistas, arrasta consigo o pesadelo de ter feito com que José Saramago entrasse na engrenagem da Academia sueca para atribuição do Nobel.

Cavaco Silva nunca leu José Saramago.

Certa vez, titubeou que tentara mas achou-o maçador, não sabe se por falta dos pontos finais, das vírgulas, dos pontos e vírgulas.

Sousa Lara foi o idiota vaidoso a quem deram uma cadeira de poder.

Apenas agarrado ao poder por mera vaidade e não pelo dinheiro.

Segundo Francisco Sousa Tavares, num artigo no Publico desse ano de 1992, Lara é milionário por dois lados: o lado Alnodovar da sua mãe – das maiores fortunas em posse de terras do Alentejo – e a herança dos Sousa Lara que, na exploração do café e dos negros, trouxeram de Angola uma enorme riqueza.

José Saramago dirigiu sempre as suas críticas para a pessoa do primeiro-ministro Cavaco Silva, ele sim o grande culpado pelo lamentável incidente, não só por ter escolhido atrasados mentais para o seu governo, como nunca se ter desmarcado do acontecimento.

Não cabe nas minhas forças evitar a existência dos «dráculas», mas nada poderá obrigar-me a apertar-lhes as mãos, escreveu no 3º volume dos Cadernos de Lanzarote.

Pilar del Rio, viúva de Saramago, qualifica a condecoração de Cavaco a Lara de triste fim.

Acrescentando: Coitados, um e o outro.

Com esta condecoração ao Lara Cavaco Silva mostra aquilo que sempre foi: um rancoroso, um insensível, um vingativo, um inculto, um medíocre, um cínico.

Enfim:  um ser DESPREZÍVEL!

Legenda: na fotografia, o Lara idiota é o segundo a contar da esquerda.

3 comentários:

Miguel disse...

Olá, parabéns pelo blogue; os seus arquivos oferecem um fascinante olhar sobre os meandros da nossa cultura de há décadas.

Sabe indicar-me a data do jornal onde Agustina disse: "Foi um acto impolítico. Deviam-me ter perguntado, eu explicava tudo, ninguém percebia nada, mas ficava tudo, ninguém percebia nada, mas ficavam todos contentes."?

sammy, o paquete disse...

Obrigado pelas suas palavras.
Peço-lhe desculpa pela demora na resposta.
Fiz uma busca no meu dossier sobre José Saramago e não encontrei o recorte do «Público», tão pouco lembro se alguma vez o tive.
Ocorreu-me, então, que a citação foi tirada do Eduardo Prado Coelho «Tudo o Que Não Escrevi», Vol. II - Edições ASA, Porto Abril de 1994.
Está datada de 11 de Maio de 1992 e faço a respectiva transcrição:
«Segundo o PÚBLICO, interrogada em relação à atitude de Sousa Lara no caso do romance de José Saramago, Agustina Bessa-Luís respondeu: «Foi um acto impolítico. Deviam-me ter perguntado Primeiro, eu explicava tudo, ninguém percebia nada, mas ficavam todos contentes.»
A literatura é exactamente isto.»
Um abraço

Miguel disse...

Olá,

Fico-lhe muito grato pela sua resposta; deu-me óptimas pistas.

O seu blogue é incrível; é um arquivo fascinante da nossa história.

Um abraço,
Miguel