quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

CORREIO


Tempo houve em que a chegada do correio era o ponto alto de qualquer aldeia, em qualquer parte do mundo, a grande hora.

Da importância da chegada do carteiro fala este poema de Carlos Drummomd de Andrade.

Tirei-o de uma colecção, de periodicidade quinzenal, editada em Portugal em 1980, que dava pelo nome de Literatura Comentada.

A grande hora da chegada
do Correio.
Ninguém te escreve, mas que importa?
Correio é belo de chegar.
Surge no alto da ladeira
a mula portadora de malas,
trazendo o mundo inteiro no jornal.
O Agente do Correio está a postos
com os filhos funcionários a seu lado.
É família postal há muitos anos
consagrada a esse ofício religioso.
As malas borradas de lama
com registrados e impressos
que a chuva penetrante amoleceu
abrem-se perante os destinatários
como flores de lona
vindas de muito longe.
Cada família ou firma tem sua caixa aberta
onde se deposita a correspondência
mas bom é recebê-la fresquinha das mãos
de Sô Fernando, que negaceia,
brinca de sonegar a carta urgente:
-- Hoje não tem nada pra você.
-- Mas eu vi, eu vi na sua mão.
-- Engano seu. Quer um conselho?
Vai apanhar tiziu, que está voando
lá fora.
Ver abrir a mala é coisa prima.
Traz as revistas de sábado
com três dias de viagem morro acima
abaixo acima, e o cheiro liso do papel
invadindo gravuras: Duque dança
as barbas de Irineu bolem na brisa
do Senado, e  na Rússia
o czar Nicolau tem o olhar vago
de quem vai ser fuzilado e ainda não sabe.

Tudo chega na hora
 do Correio. a mula é mensageira
do Fato, e sabe
antes de nós toda a terrestre
 aventura. Mal comeu
 sua cota de milho, já prossegue
 rumo do Itambé, levando o mundo.

Legenda: pintura de William Albanese

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