segunda-feira, 11 de junho de 2018

CONTO


foi assim que me sentei neste porto e nestas pedras
ao fim da tarde
e vi anoitecer quando ao longe as luzes se acendiam
na outra margem do rio.

foi assim neste porto e nestas pedras que num tempo
de excessiva solidão escrevi as mais antigas elegias
do desespero.

é certo
que não podes conceber o fascínio dos lugares alucinantes
da memória
os circos pobres e os clowns da primeira alegria
o profundo esquecimento das cidades de província.

contudo
estou a ver-te aí
sentada
um pouco à direita das pequenas coisas
um livro a meio desde o inverno o azul demasiado das paredes
as janelas fechadas donde nunca mais pudeste ver o mar.

foi aqui
ao fim de uma tarde em junho         o sexto mês
foi nestas pedras e neste porto que ao longe eu vi
morrer a grande cidade envolta nas chamas do ocidente destruído.

José Agostinho Baptista em Deste Lugar Onde

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