terça-feira, 17 de julho de 2018

TER O INFERNO GARANTIDO


O tempo foi ensinando muita coisa a quase toda a gente. Mesmo a alguns que não sabem que eu sei que. É melhor mudar de assunto. De qualquer modo, as propostas, anteriores e posteriores ao 25 de Abril, para «rever o meu caso», nunca me dis­pus, naturalmente, a aceitá-las. Sem alegria, desejo que se saiba. Sem ponta de vaidade, quer queiram crer, quer não. Se os tais olhinhos fixos e brilhan­tes não são coisa que se esqueça (nunca mais), ou­tro apelo permanece, irrecusável, desde sempre, muito provavelmente para sempre. Ronca mugindo roucamente no espesso nevoeiro. Sem se saber on­de o farol estará. Se existirá.
 Via tudo agora mais de longe e, se me dão li­cença, ainda mais de cima. Ou seja — e assim vol­tamos ao ponto de partida... —, o tal orgulho, bur­guês ou não burguês (pensar-se-á ainda assim?) que me faz ter o inferno garantido.
 Disse um dia a um jornal que os erros dos que estão mais próximos dos meus ideais, mesmo só em teoria, nunca me farão cair nos braços dos inimigos desses mesmos ideais. Disse-o então, digo-o agora. Amanhã a mesma coisa. Espero.

Mário Dionísio em Autobiografia

Legenda: fotografia tirada de Autobiografia

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