quarta-feira, 21 de novembro de 2018

LIVROS A DESFAZEREM-SE


Reproduzir as capas dos livros da Biblioteca da Casa, foi uma das ideias que se considerou interessante apresentar no Cais do Olhar.

De entre essas capas não poderiam faltar as da Colecção Vampiro.

Principalmente as capas de Cândido Costa Pinto e de Lima de Freitas.

As que gosto mais são as de Cândido Costa Pinto.

Grande parte dos livros da Vampiro herdei-os do meu pai.

Os dias do meu pai em Almoçageme eram passados a ler romances policiais. A esmagadora maioria dos volumes da Colecção Vampiro que por aqui estão, foi ele que os comprou. No intervalo das leituras subia ao Café Adraga, pedia ao João uma sandes mista em pão saloio – não te esqueças que é aparada! – e fazia descer, bem fresca, meia garrafinha de branco Beira-Mar.

Algures, em As Longas Tardes de Chuva em Nova Orleães, escreve Ana Teresa Pereira:

«- O que lias quando eras criança?
- Havia uma estante de policiais em casa. Na biblioteca do meu pai. Ficava nas traseiras da casa e pela janela via-se o jardim. Lembro-me de ir para lá nas tardes de chuva. Escolhia-os pelas capas.»

Olhar as Capas acompanha com um pequeno excerto do livro.

Os livros da Colecção Vampiro li-os há muitos anos.

Para o tal excerto, fui relendo-os.

Com grande espanto, à medida que lhes fui pegando, vi alguns desfazerem-se por completo.

A humidade, os diversos calores, as traças, atacaram-nos implacavelmente, livros que já em si, se exceptuarmos as capas, nunca primaram pela qualidade do papel, da impressão, da encadernação.

São excelentes as capas de Cândido da Costa Pinto, algumas verdadeiras obras de arte, interessantes também as de Lima de Freitas mas, verdadeiramente, a cereja no topo do bolo são as capas de Cândido Costa Pinto que as desenha até ao número 104 da colecção, enquanto que as de Lima de Freitas vão do número 105 até ao número 325.

A partir daqui as capas perdem qualidade, alguns volumes mencionam que as capas são de autoria de A. Pedro e grande parte são de um péssimo gosto, muitas a resvalar para a pornografia pura e dura, com o mero propósito de chamar a atenção com vista à fácil compra. 
Diga-se também que as traduções não primavam pela qualidade. A maior parte seguia a edição brasileira, revistas, em cima do joelho, para português.

A Vampiro contou com alguns tradutores portugueses, lembro-me de Lima de Freitas, António Lopes Ribeiro, Mascarenhas Barreto, Elisa Lopes Ribeiro, Baptista de Carvalho, Fernanda Pinto Rodrigues e Mário-Henrique Leiria, apenas um livro traduzido, o clássico O Imenso Adeus de Raymond Chandeler, nº 101 da Colecção.

A Vampiro seguia o lema que tudo o que viesse à rede era peixe e daí encontramos, na colecção, autores da segunda, terceira e quarta divisão do Romance Policial.

Mas, no fundo dos fundos, o balanço final é positivo.

De uma velha crónica do António Lobo Antunes:

«Em acabando este livro apetece-me escrever um romance policial, ou antes um romance negro. Trago esta ideia há anos e chegou a altura de o fazer.
Lembro-me de falar nisso ao meu irmão de alma José Cardoso Pires
- Sabes do que tenho vontade, tu?
esperei que o silêncio retornasse suficientemente côncavo para as minhas palavras caberem lá dentro e esvaziei o púcaro ­ Fazer um romance negro.
Recebi de resposta
- Ando a pensar nisso desde que comecei.
Demorámo-nos às voltas com o plano de fazer o tal romance negro a meias, em capítulos alternados, depois o Zé teve aqueles problemas que acabaram numa morte horrível e, mesmo sem ele, não abandonei a cisma. Se for capaz de o pôr em marcha dedico-lho, claro, nós que não dedicámos livros um ao outro:
- Porque é que a gente nunca dedicou um livro ao outro?
- Achas que é preciso?

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