sexta-feira, 9 de novembro de 2018

PERDIDA ENTRE NOITES E NOITES


E outra vez, ainda no decorrer dessa mesma viagem, durante a travessia desse mesmo oceano, a noite já começara também, aconteceu no grande salão do convés principal o estalar duma valsa de Chopin que ela conhecia de modo secreto e íntimo porque tentara aprendê-la durante meses e nunca tinha conseguido tocá-la correctamente, nunca, o que fizera com que depois a mãe consentisse em deixá-la abandonar o piano. Essa noite, perdida entre noites e noites, disso ela tinha a certeza, a rapariguinha passara-a justamente naquele barco e estava lá quando aquilo aconteceu, esse estalar da música de Chopin debaixo do céu iluminado de brilhantes. Não havia uma aragem e a música espalhara-se por todo o navio negro, como uma imposição do céu de que não se sabia a que propósito vinha, como uma ordem de Deus de que se ignorava o teor. E a rapariga endireitava-se como que para ir por sua vez matar-se, atirar-se ao mar e depois chorara porque pensara naquele homem de Cholen e de súbito não tivera a certeza de não o ter amado com um amor que ela não vira porque se perdera na história como a água na areia e só agora o reencontrava nesse instante da música lançada através do mar.

Marguerite Duras em O Amante

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