domingo, 12 de dezembro de 2021

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


Dito já que começaram as iniciativas que visam registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam a  Biblioteca da Casa.

No último Sublinhados Saramaguianos trouxemos aqui a crítica que em 1968, na Seara Nova, José Saramago fez a O Delfim de José Cardoso Pires e a pergunta que, em 1994, perante aquela crítica, José Saramago faz: Onde tinha a cabeça?

No meio destas datas, há um episódio que junta Saramago e Cardoso Pires, precisamente o ano de 1983, e refere a atribuição do Prémio da Associação Portuguesa de Escritores.

Na revista do Expresso de 1 de Abril de 1983, Regina Louro, reportava uma antevisão do prémio.

Título da peça: Grande Prémio para um escritor: quem será, será…

«Na próxima quarta-feira haverá em Portugal um escritor feliz. Feliz e abonado. Terá ganho o Grande Prémio da Associação de Escritores, e o mesmo é dizer: o maior galardão literário existente entre nós.»

 

O ano de 1982 dera uma safra de bons romances, se bem que no balanço publicado pelo Diário de Notícias, João Gaspar Simões chamou-lhe «o balanço impressionista de um ano pouco impressionante» e o balanço de Maria Lúcia Lepecki, no Expresso, deixa vincado que «não são numerosos os livros absolutamente invulgares, mas muitos são francamente bons».

O júri, os nomes só viriam a ser conhecidos no dia da atribuição do prémio, debruçou-se sobre uma trintena de livros, onde se encontravam: Café República de Álvaro Guerra, Ora Esguardae de Olga Gonçalves, Paisagem com Mulher e Mar ao Fundo de Teolinda Gersão, O Inventário de Ana de Maria Isabel Barreno, O Número dos Vivos de Hélia Correia, A Manta Religiosa de Nuno Júdice, Explicação dos Pássaros de António Lobo Antunes, Passeios do Sonhador SolitárioO Bosque Harmonioso de Augusto Abelaira, O Cais das Merendas de Lídia Jorge, Balada da Praia dos Cães de José Cardoso Pires, Rio Triste de Fernando Namora, Memorial do Convento de José Saramago.

Em Abril de 1983, apenas tinha lido as obras de Cardoso Pires, de Saramago, de Teolinda Gersão, de Abelaira, de Hélia Correia, de Lídia Jorge.

No lote dos favoritos estavam Saramago, Cardoso Pires e Namora.

Volto ao artigo de Regina Louro:

«É claro que eu poderia confessar que já sei, a uma semana de distância, quem é que vai ganhar. Ninguém me prenderia por isso, ao que suponho, e até talvez aumentasse a minha reputação jornalística.»

No dia 6 de Abril de 1983 ficava a saber-se que, por unanimidade do júri, José Cardoso Pires era o primeiro galardoado com o prémio da Associação Portuguesa de Escritores.

O júri era composto por Jacinto Prado Coelho, Maria da Glória Padrão, Maria Lúcia Lepecki, Óscar Lopes, Álvaro Salema.

Clara Ferreira Alves no JL:

«Dizia-se a meia voz e pelos cantos habituais que o júri zaragateava, barafustava, gritava e discutia com veemência os méritos dos principais candidatos à paternidade da que seria considerada a melhor obra de ficção de 1982.»

 

Olham-se os nomes que constituíam o júri, e muito dificilmente, tanto quanto deles se conhecia, se entende a unanimidade.

Suspeito que sou, a minha escolha recaía em José Saramago.

 

Como normalmente se diz sobre o raio das escolhas: amizades, ódios, invejas, gostos, tendências, conciliábulos, boatos, especulações, política.

Apenas em 1993, com O Evangelho Segundo Jesus Cristo, o prémio da Associação Portuguesa de Escritores, é atribuído a José Saramago.

No 1º volume dos seus Cadernos de Lanzarote, José Saramago fala-nos deste encontro:

« Colóquio no Centro Nacional de Cultura. Fizemos – a Lidia Jorge, o Cardoso Pires e eu – o melhor que sabíamos e podíamos, mas o público não quis ajudar: poucas perguntas, e nenhuma com interesse. Em certa altura faltou a luz, tiveram de acender velas. No fim, fomos jantar à Bénard: um bom jantar e uma conversa ainda melhor. Para não variar, quando nos despedimos, perguntámos uns aos outros: «Por que é que não nos vemos mais vezes.»

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