quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

A ETERNIDADE COMO ABORRECIMENTO

3 de Maio de 1992

A eternidade não me interessa, costumava dizer, deve ser um enorme aborrecimento. O que eu desejo é uma outra imagem do tempo, um tempo que se torne elástico, extensível, pastosos mas transparente, um tempo-chiclets, um tempo como a massas do pão que se modela com os dedos. Os momentos de verdadeira felicidade são exactamente como este: avanço em direcção ao mar, e de súbito é tudo mar dentro de mim. Henri Michaux, esse viajante sem viagens, ensinou-me um dia: «Qui connaît une mer connaît la mer.» Talvez o fascínio do jazz resulte de uma relação com o tempo deste tipo: uma tela que se alarga tanto à volta da minha cabeça que se torna uma venda iluminada (ouço Solitude cantado poe Ella Fitzgerald).

Eduardo Prado Coelho em Tudo O Que Não Escrevi, Volume II

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