quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


 Dito já que começaram as iniciativas que visam registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam a  Biblioteca da Casa.

Decorrendo os dias pós eleições legislativas, faço uma paragem pelas Folhas Políticas, onde José Saramago deixou alguns textos sobre a unidade da esquerda.

Hoje e amanhã são estes os Sublinhados Saramaguainos

«Do alto da sua tribuna, o presidente da Assembleia da República não vê a Nação: vê (quando estão todos) 263 deputados que, pela graça da aritmética, a representam. Está a Direita, está o Centro, está a Esquerda: Ninguém precisa de (se) interrogar sobre o que seja a Direita, ninguém acha oportuno averiguar se o Centro o é de facto, mas todos nos inquietamos com a Esquerda, com o passado, o presente e o futuro da Esquerda. Falta saber (o tempo virá a dizer, por força) se essa inquietação é sinal de saúde ou de doença, da Esquerda e de quem para ela se volta interrogativo, com uma preocupação porventura autêntica, mas não destituída de algum comprazimento. Outra vez em Portugal se tornou mais fácil falar das coisas adio que fazê-las, outra vez (passe a banalidade da alusão) cuidamos mais de discutir o sexo angélico do que de investigar os modos de levar os anjos a fazer filhos, sejam os ditos anjos machos ou fêmeas.

(…)

Por aqui se concluirá que, segundo entendo, a questão da Esquerda, logo a questão do Socialismo, tem de passar por uma definição do partido Socialista no que toca ao lugar que ocupará (ou não) na futura luta, ou, se a linguagem parecer demasiado bélica, no futuro empenhamento das forças de Esquerda. A grande responsabilidade do partido Socialista tem sido a de paralisar, pela sua contradição interna, a irrecusável definição: é possível, por isso, afirmar que, no sentido mais rigoroso do termo, o Partido Socialista adiou o Socialismo. Porque o adiou dentro de si próprio.

(…)

Encontremo-nos, pois, e confrontemos. Sabendo cada um o lugar que ocupa, agora, no sector da esquerda que for o seu, sem subvalorização do que, efectivamente, esse sector representar como expressão colectiva. E tenhamos em vista que o objectivo é o Socialismo. A esquerda não é um fim em si, um modo vitimizante ou triunfalizante de estar no mundo: é uma estrutura, um instrumento, uma organização. Que, como todas as coisas, serão julgados pelos resultados. E nós de caminho.»

 

De um texto publicado na revista Abril, Fevereiro de 1976 e que pode ser encontrado na página 13.

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