sábado, 7 de outubro de 2023

OLHAR AS CAPAS


Os Teus Passos nas Escadas

Antonio Muñoz Molina

Tradução: Rita Custódio e Alex Tarradellas

Capa: Carlos César Vasconcelos

Colecção Ficções

Relógio d’Água Editores, Lisboa, Julho de 2020

Depois de ter viajado tanto na minha vida, agora tornei-me sedentário. Não me apetece nada sair da cidade. Nem sequer atravessei para o outro lado do rio no cacilheiro. Nos dias de muito calor, tive uma desculpa perfeita para ficar no apartamento. E, quando saio, quase nunca me fasto do bairro, que tem qualquer coisa de aldeia recatada, de mundo completo, íntimo e, ao mesmo tempo, aberto à amplitude do rio, à zona dos cais onde os veleiros e os navios de contentores atracam. Os pilares dos extremos da ponte erguem-se sobre as encostas do bairro. O centro da cidade e as multidões de turistas ficam longe de aqui. Vivo num retiro no interior do outro retiro de Lisboa. Podemos encontrar tudo aquilo de que precisamos para a nossa vida sem caminhar mais de vinte minutos. As frutarias, o talho, a padaria, as pastelarias nas quais também servem almoços baratos e saborosos, os restaurantes aos quais as pessoas que trabalham pelo bairro vão almoçar, com os seus menus colados na montra, escritos à mão em toalhas de papel. A largura do mundo exterior cabe nos confins do bairro: os restaurantes indianos ou nepaleses, os de Moçambique, ou de Goa, o Jardim Botânico Tropical com as suas espessuras de bambu, as suas palmeiras altíssimas da Polinésia, os pinheiros do Tibete, as araucárias australianas. No Jardim Botânico a Luria observa com reverência e intriga os pavões, e persegue os gansos com uma crueldade tão absurda com a predilecção que tem, se eu não estiver atento, por comer as sua fezes. Se almoço fora, tento procurar uma esplanada ao ar livre para levá-la comigo e ela não ficar sozinha.

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