quinta-feira, 8 de abril de 2010

VOO NOCTURNO



Nos livros descobrimos que há outras gentes, escritores, neste caso, que soa nossas almas gémeas, gémeas no pensamento e na forma hábil como sentimentos e emoções que nos despertam são tão bem descritos.

Isso é o que acontece entre mim e Saint-Exupéry. Conheci-o como a grande maioria das pessoas o conheceu: através de “O Princepezinho”.

Era muito nova, era ainda uma criança e isso marcou a forma como passei a ver o meu mundo e as pessoas que por lá andavam. Mais tarde voltei a descobri-lo com o “Voo Nocturno” e fiquei a saber que ambos partilhamos uma paixão: a de voar. Claro que ele foi piloto e eu apenas sou uma cliente dos voos da “TAP”. Mas voar para mim é somente a escolha de um meio de transporte, como poderia ser o automóvel, ou o barco. Voar é a passagem mais rápida para um mundo desconhecido que aguarda por ser descoberto. Enquanto voamos é possível experimentar a sensação de um tempo suspenso, de um suspiro que se prolonga por muito tempo e que se encaixa entre as ruas do nosso bairro e as ruas de um outro bairro, com outras gentes, tão próximo que se torna inacreditável. E é assim que outras paragens se podem tornar na nossa próxima paragem: para começar uma outra vida, para conhecer um outro amor, para ver e sentir aquilo que certos filmes nos fazem imaginar e até para morrer.

Aqui fica o começo de “O Voo Nocturno”:

“As colinas por baixo do avião cavavam já a sua esteira de sombra no ouro do fim da tarde. As planícies tornavam-se luminosas, mas duma luz sem préstimo: neste país nunca acabam de largar ouro, tal como depois do Inverno nunca acabam de largar neve.
E o piloto Fabien, que trazia do extremo sul para Buenos Aires o correio da Patagónia, reconhecia a aproximação da noite pelos mesmos sinais que as águas dum porto: por aquela calma, por aquelas ténues rugas quase imperceptíveis que nuvens tranquilas desenhavam. Entrava numa barra imensa e bem-aventurada. Também poderia julgar estar a dar naquela calma um passeio lento, quase como um pastor. Os pastores da Patagónia anda, sem se apressarem, de rebanho em rebanho: ele ia de cidade em cidade, era o pastor das cidadezinhas. De duas em duas horas encontrava-as, a beber à beira-rio ou a retouçar na planície.
Algumas vezes, ao fim de cem quilómetros de estepes mais desabitadas que o mar, cruzava-se com uma quinta perdida e que parecia levar para trás, numa ondulação de pradarias, a sua carga de vidas humanas; então saudava com as asas esse navio?”


Colaboração de Cristina Narciso

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