quarta-feira, 4 de agosto de 2010

TEMPO DE FÉRIAS


Sua-excelência-o-presidente-da-república-professor-Anibal-Cavaco-Silva, numa daquelas brilhantes tiradas, com que amiúde nos brinda, disse aos portugueses que não fossem para o estrangeiro passar as férias, que deveriam ficar pelo país, para que não saíssem divisas.

A afirmação envolve algo que roça o disparate económico, uma trivialidade oca, mas o pior de tudo, reside no facto de, exceptuando os privilegiados do costume, Cavaco Silva, aparentemente desconhecer, esquecer, que os portugueses não têm dinheiro para gozar férias Tomara que o que ganham, o que vão tendo, lhes dê para (sobre)viver…

No início da estação, os jornais deixaram a notícia de que dois terços dos portugueses não vão sair de casa durante o período de férias, e apenas 7% admite viajar e gastar mais de 1.000 euros.

Mas sua-excelência-o-presidente-de-todos-os-portugueses, é assim…

Não vale a pena bater mais no ceguinho, mas o episódio trouxe-me à lembrança um pedacinho de uma crónica de Soeiro Pereira Gomes, incluída nas suas “Obras Completas”, publicadas em Janeiro de 1972 pelas “Publicações Europa-América”:

“Segunda-feira, sol-nado, fui pescar no bote do meu compadre. O vento enfunava as velas garridas dos barcos e refrescava-me o corpo, suado de puxar as redes, em vão.
Na terça-feira, caiei a minha casa. Pus no trabalho desvelos de artista, e ela ficou encantadora. Porém, o sol continuou à porta.
Deram-me um biscate para acabar, nos dois dias seguintes. À noite, joguei à bisca e ouvi, embevecido, fados plangentes na telefonia da taberna.
Na sexta-feira a mulher ficou de cama, doente, e eu fiquei entregue à vida idílica do lar.
E no último dia de férias vagueei pelas ruas da vila, a sonhar no que poderia comprara com o salário que recebi à tarde para entregar ao padeiro.”

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