terça-feira, 3 de agosto de 2010

JOSÉ SARAMAGO NA FEIRA DO LIVRO DE BRAGA

Na sessão de abertura da Feira do Livro de Braga, realizada de 27 de Fevereiro a 14 de Março de 1959, foi lançado um livro sobre José Saramago que reúne textos, na sua maioria inéditos, de Baptista-Bastos, Carlos Reis, Clara Ferreira Alves, Helena Carvalhão Buescu, José Manuel Mendes, Luísa Lelliud-Franco, Maria Alzira Seixo, Vitor Aguiar e Silva. O livro integra, também, fotografias de anteriores passagens de Saramago pela Feira do Livro de Braga.

Este é o texto de Baptista-Bastos:

Tenho vivido entre livros e palavras, que são as esperanças concentradas de quem sempre realizou os seus sonhos, sonhando-os. Fui um capitão de mil e uma aventuras, porque encarnei tudo o que era personagem encantatório. O curioso de isto tudo é que, sendo um homem de palavras, e por elas existindo, frequentemente, fascinado e estonteado, os meus heróis foram mais os de o cinema do que os da literatura.
Houve, em mim, na minha longínqua adolescência, uma porção de Bogart, de Jeff Chandler (já ninguém se lembra deste), de Burt Lancaster, de Jean Gabib´n e de Jean-Paul Belmondo. Fui o ardentemente longo namorado e amante de Lana Turner, Ava Gardner, Veronika Lake e Joan Crawford: ah! aqueles olhos, aqueles seios!
Nos buques sou um invejoso sem remédio. Invejo Herman Hesse por ter escrito “Narciso e Goldmundo”: Joseph Conrad por ser o autor de “Lord Jim”; Hemingway, por “O Adeus às Armas”; Vailland por “Les Mauvais Coups”; Nabokov, por “Lolita:; Edmund Wilson, por “Rumo à Estação Finlândia; Lukacs pelos volumes de “Estética”; Marx, por “Crítica do Programa de Gotha”; Freud, pela “Interpretação dos Sonhos”.
Porém, a inveja maior que me assola é a de não ter escrito, pelo menos, quatro dos livros de José Saramago: “Todos os Nomes”, por causa de todos nós: “Memorial do Convento”, porque põe todos nós em causa; “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, porque a causa somos nós e a tristeza do existir no fascismo; “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, pela grandeza do áspero diálogo com o transcendente das causas.





Com mão diurna e mão nocturna viajo, amiúde, por essas páginas iluminadas que nos dizem dos pretextos, dos triunfantes júbilos, da geografia das almas, das batalhas incertas e das certezas das lutas. Mas a minha inveja é mansa; é só comigo; direi mesmo: benigna inveja. É a inveja do leitor que, de repente, através do outro, descobre que o outro abriu as escadas e franqueou as portas de um mundo que é dele, mas distribuído por quem dele se acerca. Os meus encontros com José Saramago sempre me reconduzem a um território de benevolência, de confraternidade, de inumeráveis descobertas.
Não dava a vida por nenhum livro que amo. Mas a minha vida não teria sentido sem aqueles livros e autores amados. Por exemplo: sem a lição exemplar da obra de Saramago, e da vida do autor, que com ela se conjuga e se associa. Se a obra de Saramago, escorada num edifício lexical admirável, no-lo diz que o sentido da vida é o de descobrir que a vida tem sentido, a vida de Saramago no-lo assevera que o homem, quando quer, consegue tudo quanto quer.

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