terça-feira, 31 de agosto de 2010

LIVROS PARA FÉRIAS

Não há livros para férias. O que existe são pessoas que só lêem nas férias, mesmo assim, as que lêem.

O meu pai tinha a teoria que ler era uma tarefa de todo o ano e as férias deveriam ser aproveitadas para ler clássicos. Foi assim que leu “À Procura do Tempo Perdido” de Marcel Proust, o “Ulisses”de James Joyce, as “Confissões” de Rousseau, estes são os que me lembro.

As listas de livros para férias que os jornais e revistas publicam nos começos de cada verão são apenas um “fait-divers”.

È normal as gentes dizerem, como desculpa para mão lerem, que durante o ano não têm tempo. Apenas conseguem todo o tempo do mundo para se encharcarem, diariamente, com lixo televisivo.

Ler exige esforço, concentração, vontade, o sabermos que o gosto pela leitura necessita de trabalho, muito trabalho e não se apanha como uma gripe. O meu avô dizia, fia-te nos que gostam de ler e desconfia sempre dos que dizem que não têm tempo para ler, como também me dizia para desconfiar dos abstémios, porque eles escondem qualquer coisa de sinistro.

Sabedorias do meu avô…

Percorre-se o areal de uma praia, passamos pelas suas esplanadas e alguém a ler um livro é como encontrar agulha num palheiro. A lerem jornais ainda se encontram alguns a lerem revistas-cor-de-rosa são como enxames, mas livros…

Sabe-se que, em média, um português não lê um livro por ano.

A incultura permitiu uma ditadura de quase 50 anos, permite agora que qualquer um se arvore em político, em primeiro-ministro, em presidente da república, gente hábil que se formaram em contar histórias a camelos, gente que quando ouve falar de cultura não puxa logo da pistola, mas cospe para o lado…

O fracasso de não pensar é sempre uma consequência do não ler.

Uma professora de liceu desabafava: “intelectuais na escola são os que lêem “A Bola” porque os outros não lêem nada”

Isto foi há meia de dúzia e porventura já nem “A Bola”, hoje, lêem.


Num programa de televisão, de há muitos anos, o Raul Solnado perguntava a um miúdo se gostava de ler e o miúdo respondeu-lhe: 

"Evito"

Camilo Castelo Branco deixou escrito:

“A poderosa razão que o lavrador Roberto Rodrigues
opunha para não mandar ensinar a ler o filho, era -
que ele pai também não sabia ler, e mais arranjava
lindamente a sua vida. Esta vinha a ser a razão capi-
tal, reforçada por outras subalternas e praticamente
bastante persuasivas.
- Se o rapaz souber ler – argumentava triunfantemente
o idiota – assim que chegar a idade, às duas por três,
fazem-no jurado, regedor, camarista, juiz ordinário,
juiz de paz, juiz eleito. São favas contadas. Depois,
enquanto ele vai à audiência ou à Camara, a Cabeçais,
daqui uma légua, os criados e os jornaleiros ferram-se
a dormir a sesta de cangalhas à sombra dos carvalhos,
e o arado fica também a dormir no rego. E ademais,
isto de saber ler é meio caminho andado para asno e
vadio.
E citava exemplos, personalizando meia dúzia de bre-
jeiros que sabiam ler e eram mais asnos e vadios que
os analfabetos.”


Terão razão os que dizem que a leitura será sempre uma questão de minorias?

Terão razão os que dizem que não se vive para ler, lê-se somente para melhor viver?

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