quinta-feira, 26 de agosto de 2010

POSTAIS SEM SELO



Não sei se, em criança, foste alguma vez para a beira-mar fazer buracos na areia. Começas a cavar com todo o entusiasmo, tentas cavar ainda mais fundo, mas, por mais areia que tires, o buraco mantém-se sempre na mesma, devido à inflitração da água. Cavas, cavas e, como Sísifo, estás sempre no mesmo sítio. A natureza não gosta do vazio, mal o vazio se cria, volta a enchê-lo. Enche-o com areia, folhas, microrganismos, água, ou entulho, porque o vazio não faz parte dos seus projectos.Também o homem, nos últimos três séculos de história, começou com grande empenho a esvaziar o céu da presença do Criador e, como a criança da praia, teve, durante alguns instantes, a certeza de que conseguira. O céu está vazio, o homem é finalmente livre. Livre do preconceito, livre de terrores ancestrais e da escravidão. Será mesmo assim? Ou será que o céu vazio se encheu imediatamente de outras coisas? De venusianos, marcianos, árvores-guia e animais-guia, minerais e palavras mágicas?

Susanna Tamaro em O Fogo e o Vento

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