terça-feira, 9 de outubro de 2012

"RIDER OF THE STORM"


                                                                                               I will kill you if I must
                                                                                              I will help you if I can.
                                                                                            (Story of Isaac” – Leonard Cohen

Há coisas que um homem não pode encomendar na Internet nem ao balcão de uma Agência de Viagens…
Uma casa de sonho numa ilha paradisíaca dos mares do Sul, sim…
Se estiver p’raí virado e se for essa a sua preferência cromática, uma loura escultural languidamente estendida em cima do sofá, também…
Uma Juke Box com os principais sucessos dos anos 50 e 60 não constituirá, igualmente,  qualquer problema……
Um pequeno veleiro privado para passeios ao pôr-do-sol  a cantar o  True Love”, como o Bing Crosby e a Grace Kelly faziam   no “High Society”, também não…
Um Jaguar XK 120 e uma Harley Davidson para umas voltinhas pela ilha, arranjar-se-ão,  também,  sem grande dificuldade….
E, no meio de tudo isto, umas garrafitas de Moet & Chandon no frigorífico para se ir comemorando, à distância, os insucessos do Benfica seria uma mera questão de trocos…
Em boa verdade, tudo isto e muito mais se poderá encomendar, com maior ou menor dificuldade, se tivermos possibilidade e vontade de abrir os cordões à bolsa.
Agora um furacão, não…
Ninguém no seu perfeito juízo me estará a imaginar a chegar ao balcão de uma Agência de Viagens, virar-me para a empregada e perguntar-lhe, com a maior das naturalidades, se será possível incluir no “pacote da viagem” um furacão dos autênticos…  E, muito menos, a Menina  a responder-me de imediato e com um sorriso prestável no rosto: “Um furacãozinho…? Arranja-se concerteza… E de quais é que deseja…? Dos mais suaves ou dos mais fortes…?  Quer mortos, feridos, grandes prejuízos materiais ou bastar-lhe-á  uma coisinha mais ligeira…?”
Impossível, como está bom de ver…
Quem tiver um furacão fecha-o a sete chaves e chama-o seu.
Pois eu, durante quase três dias, tive um.
Não uma dessas banais ventanias correntes que se apanham no Guincho com frequência, mas um autêntico, com nome e tudo como só têm os furacões que são gente importante.
E notem que o meu não tinha um nome foleiro como esse de Katrina, que só me faz lembrar as pombinhas que andavam de mão em mão…
O meu tinha um nome solene, bíblico…
Chamava-se Isaac.



Recebeu-me de mansinho em Miami numa tarde de Sábado, 25 de Agosto, e acompanhou-me gentilmente durante todo o fim de semana.
Parte-se-me o coração dizer isto, sabendo bem das desgraças que por esse Mundo fora tprovocado,  mas eu tinha dentro de mim a ideia de que um furacão seria uma   coisa magnífica de se ver ao vivo.
Viram-se muitos no Cinema, sobretudo na altura em que estavam na moda os “filmes catástrofe”, e ainda não há muitos anos andaram por aí uns “Twister” e “Perfect Storm” do mesmo estilo…
Mas eu prefiro recordar um muito mais antigo, a preto e branco e sem essa panóplia de efeitos especiais: “Hurricane”, que o velho John Ford realizou em 1937, com a Dorothy Lamour.  Recordo-me bem das imagens de palmeiras  vergastadas pelo vento e do mar a galgar a terra.
Ou “Key West”, de John Huston, onde um furacão que mal se vê quase assume figura de personagem principal.
E foi, também, sob os efeitos de um furacão que a pequena Dorothy foi transportada “somewhere over the rainbow”, para as terras do feiticeiro de Oz.
Mas acho que o primeiro susto ciclónico que apanhei terá sido em mais tenra idade, nas emoções  das aventuras dos cinco. Mas, a partir daí, o vento entrou-me com frequência e em força pelas páginas adentro, sobretudo nalguma literatura dos autores ditos “sulistas”:  Faulkner, Caldwell, Carson McCullers, Tennesse Williams, ….
Por isso, mal arrumei a tralha no hotel a minha primeira grande preocupação foi a de vir para a rua viver o furacão.
Uma enorme escorregadela e o consequente trambolhão à saída, nas escadas do hotel, ia quase deitando tudo a perder… Se eu em vez de ter batido violentamente com as costas nos degraus, como sucedeu, o tivesse feito com a cabeça, muito provavelmente os meus dias teriam  acabado ingloriamente ali, às portas do furacão…
No primeiro dia a coisa foi relativamente suave.  Muita chuva, muito vento, muitas palmeiras a dobrarem-se, mas a verdade é que não vimos árvores caídas, carros virados ou caixotes do lixo a voarem pelos ares…
Mas, sobretudo nas televisões, sentia-se que uma tensão estava a subir. Todos os canais, em americano ou em espanhol, eram monopolizados pelo bom do Isaac.
Nunca pensei que houvesse tantos especialistas em furacões e todos eles opinavam com absoluta convicção,  do alto da sua autoridade nuno rogeiral…
Num ponto pareciam estar todos de acordo: seria na noite de Domingo para Segunda-Feira  que o pior se iria passar na ponta Sul da Florida, onde nos encontrávamos.
Seria essa, na verdade,  a noite de todos os perigos...
Entrevistados pelas televisões, o Mayor de Miami e o Governador da Florida pediam aos cidadãos para se manterem em suas casas com calma, mas com as devidas precauções a que eles já têm obrigação de estar preparados em circunstâncias desta natureza.
Os hospitais encontravam-se de prevenção e a população foi avisada de que não estariam ao serviço para os problemas correntes e que iriam dar toda a prioridade aos eventuais sinistrados do furacão.
Foi anunciado o encerramento de uma boa parte dos Serviços Públicos durante todo o dia de  2ª Feira, o que nos dava a entender que a coisa não deveria estar para brincadeiras...



Mas será escusado dizer-vos que quanto mais esses alertas eram lançados mais eu sentia crescer dentro de mim uma irresistível vontade de ir para a rua ao encontro do furacão… 
A prudência aconselhava a que ficasse quietinho no hotel, mas a verdade é que sempre me habituei, ao longo da minha Vida, a fazer aquilo que a prudência não me aconselharia a fazer…
Pedi a bênção, nessa decisão, aos meus Amigos da Música, mas o panorama não melhorou, antes pelo contrário
John Fogerty assustou-me e aconselhou-me a não sair de casa…
“I see the bad moon rising
I see trouble on the way
I see earthquakes  and lightnin’
I see bad times today

Don’t go round tonight
Well it’s bound to take your life
There’s a bad moon on the rise

I hear hurricanes blowing
I know the end is coming soon
I fear rivers over flowing
I hear the voice of rage and ruin”
Bob Dylan fez-me pensar duas vezes se não seria mesmo melhor ficar sossegado onde estava…
“Come in…
“I’ll give you shelter from the storm”
Jim Morrison alertou-me para, caso quisesse mesmo sair, não dar boleia a ninguém que me aparecesse de surpresa por entre a chuva…
“If you give this man a ride
Sweet memory will die
Killer on the road…”
Mas eu não estava em maré de ouvir os bons conselhos de ninguém e aquilo que mais desejava, nessa noite, era ser um verdadeiro “rider of the storm”.
E foi o velho Neil Young quem veio em auxílio… Tranquilizou-me e fez-me imaginar, para lá das nuvens, a serenidade que poderia existir no olhar de um furacão…
“You are like an hurricane
There’s calm in your eye…”
E lá saltei eu para o meio da rua…
Miami Beach estava deserta nessa noite e só se viam em circulação, para além de um ou outro maluco como eu, os táxis, os carros da Polícia e os carros dos bombeiros…
Um restaurante para jantar…? Impossível, com excepção do “McDdonald’s” e dos restaurantes dos hotéis…
Mas não se passou nada de especial, embora a coisa estivesse muito mais brava do que esteve durante o dia…
As palmeiras mais pequenas, de tão dobradas pelo vento, ameaçavam cair para cima de nós, mas aguentavam-se estoicamente com elasticidade própria de uma coreografia do Michael Jackson…
De tempos a tempos uma tromba de água levada pelo vento caía sobre nós deixando-nos sem qualquer possibilidade de visão… 



O carro por vezes adornava com a chuva e com o vento, mas nunca nos sentimos em verdadeira dificuldade. Mas a verdade é que também não exagerámos e acabámos por ir jantar ao nosso hotel.
No dia seguinte confirmou-se que as previsões sobre o impacto do Isaac no Sul da Florida haviam sido manifestamente exageradas… Houve estragos, vimos árvores pelo chão, lixo espalhado pelo meio da rua mas não nos apercebemos que algo de grave tivesse sucedido.
Parece que, à última hora, o Isaac baixou de intensidade, transformando-se numa simples “tropical storm”, dobrou o Sul da Florida e escapuliu-se em direcção de New Orleans, que são os desgraçados do costume neste tipo de situações.
Durante o dia de Segunda-Feira o Isaac ainda continuou a fazer-nos festas no cabelo, mas depois desapareceu de vez, brindando-nos, a partir daí, com uns excelentes sete dias de Sol. 
Gajo porreiro, este Isaac…
Ajudou-me a fazer a minha festa sem que me tivesse deixado ficar com qualquer tipo de  problemas de consciência….
E é esta, portanto,  a minha “story of Isaac”.
Não tão profunda e dramática como a do Cohen, mas nunca mais me irei esquecer dela….
Ah!   E ainda me ri com vontade  ao lembrar-me do Hurricane Smith…!

PS:  As fotografias estão uma desgraça… É difícil fotografar o vento…!

Texto e imagens de Luís Miguel Mira

3 comentários:

Jack Kerouac disse...

Este Homem é uma máquina, uma torneira de obras de arte em letra de forma. Então quando se dedica inteiramente a coisas com interesse, como é o caso presente, sai disto ! Rider of the Pleasure !

Miguel disse...

Boa noite Caro Jack!

Obrigado pelo incentivo!

Mas não te estiques demasiado nos elogios, porque ainda te vais arrepender. Não tarda nada vais ter à perna uma Antologia do sem interesse...

Um abraço do

LM

Jack Kerouac disse...

Nunca me arrependo dos elogios que faço, venham os escritos que vierem será sempre um prazer recebe-los e dar a resposta que a ocasião justificar, ou mesmo a ausência dela.

Abraço

Paulo