domingo, 3 de fevereiro de 2013

ORDENS PARA ENTERRAR OS MORTOS


Só soube de Wiriyamu depois daquilo ter acontecido. Por acaso eu não estava lá. Tive que regressar e dar ordens à companhia de comandos para enterrar os mortos. É um problema delicado e muito susceptível. Nós nunca enterrávamos os mortos deles. (…)
(…) O comando da ZOT mandou fazer uma operação em Wiriyamu. Estavam lá os Fiat, foi uma operação em grande escala, com um objectivo localizado. Entraram a «varrer» com bombas de napalm, despejaram-nas e depois entrou a companhia de comandos em vagas de helicópteros. A companhia de comandos foi largada de helicóptero, limpou aquilo tudo com ordem de poupar as mulheres e crianças e veio-se embora. Depois, mais tarde, houve a ordem para enterrar os mortos. Porquê? Porque alguém foi lá, fotografou algumas coisas e houve necessidade de enterra-los. Wiriyamu para nós não existia, nem fazia parte das cartas e só vimos este nome nos jornais. Deixaram-se fugir muitas mulheres e crianças, mas admito que, no meio daquilo, algumas também ficaram. Os próprios homens, muitas vezes, escondiam-se no meio delas. O pessoal, quando via as mulheres ou crianças, deixava-as fugir. Mas se havia gajos no meio delas limparam tudo porque às vezes as mulheres e crianças atacavam-nos. Mas o pessoal, quando ia para uma operação, sabia o que é que ia fazer, eu pelo menos explicava-lhes sempre. Nunca permiti que o meu pessoal cometesse exageros. O que não quer dizer que os meus não o tenham feito, mas com o meu conhecimento não. E escondiam-no de mim, porque sabiam muito bem que eu mandava logo dois pares de murros num gajo. Sei que se passavam coisas como cortar orelhas, deixar umas bandeiras dos comandos, etc. Não digo que isso não tivesse acontecido com as minhas tropas. Mas eu não permitia que eles fizessem esse tipo de coisas.

Do depoimento de Jaime Neves, publicado no 1º volume de A Guerra em África (1961-1974) de José Freire Antunes, Círculo de Leitores, Lisboa Setembro de 1995.
(Continua)

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