quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

UMA SANDES DE MOLHO



Tempos houve, em que Lisboa era um mundo de tascas com bifanas a fervilhar nas montras.
Hoje é quase um deserto.
Ainda há o Beira-Gare, as Berlengas, a Parreirinha do Chile, Ribeirão Preto, também na Praça do Chile, mas as bifanas já não são o que eram. Também eu já deixei de o ser…
E já não estou a falar de iscas, porque essas já não se encontram em parte alguma.
O último reduto que as fazia era o Beira-Gare mas quando se apresentou à populaça, depois daquelas obras-tipo-cee, as iscas saíram de cena.
A gerência entendeu que uma sande de isca de cebolada já nada dizia às gentes de hoje, aos turistas que passaram a invadir a casa.
Hélas!...
A fotografia mostra um restaurante na Rua dos Condes, um restaurante inócuo.
Mas ali foi, até não sei quando, talvez anos 80, um estupendo tasco com bifanas, a nadarem num delicioso-molho-must-de-colesterol e feitas à vista.
Só olhar a montra, era um luxo, luxo desgraçadamente perdido.
Dada a crise que se vive, não sei se o restaurante ainda mantém as portas abertas.
Mas o que aqui me traz não é o restaurante de hoje mas a tasca de então.
Tasca cantada numa crónica, com o título Cinco escudos, que José Duarte fez incluir no seu Jazzé e Outras Músicas, Edições Cotovia, Lisboa Junho de 1994:
Assim:
Passei frente às coxas do Olympia e entrei naquela tasca onde, os anos 60, viram jovens-hoje-administradores, consumir louváveis decilitradas! Fiz o que pude! Croquetes, rissóis, penalties, pastéis, uma sopa, mais penalties, uma bifana e outro penalty e a conta. Estava a pagar, seis senão quando, entra a jovem, toda de jean vestida, nova, liceal, remediada e de livros ao sovaco.
O diálogo.
A jovem, em tom discreto, porque envergonhada: «Queria uma sandes!»
A mulher, que fritava pastéis: «De quê?»
A mesma jovem, ainda discreta: «De molho!»
A mulher, natural e à vontade, usa a sua mão esquerda para segurara a carcaça, já aberta, e a direita para a concha do molho, que verte no pão. Pouco molho.
A jovem recebe com a direita e paga com a esquerda. Cinco escudos.

2 comentários:

ié-ié disse...

obras-tipo-cee... eheh

LT

Aida disse...

A frase tem direitos de autor, mas diz tudo, ouvida quando o "Guardanapos" passou a ser o "Restaurante Ribeiro", uma frase feliz.
Um abraço