segunda-feira, 23 de setembro de 2013

ANTÓNIO RAMOS ROSA (1924. 2013)


Com 88 anos, morreu, hoje, o poeta António Ramos Rosa.

O Público revela que, já muito fragilizado, o poeta, que estava hospitalizado desde quinta-feira, teve ainda forças para escrever esta manhã os nomes da sua mulher, a escritora Agripina Costa Marques, e da sua filha, Maria Filipe. E depois de Maria Filipe lhe ter sussurrado ao ouvido aquele que se tornou porventura o verso mais emblemático da sua obra – “Estou vivo e escrevo sol” –, o poeta, conta a filha, escreveu-o uma última vez, numa folha de papel.

Em Novembro de 1988 atribuíram-lhe o Prémio Pessoa.

Homem simples que sempre foi, espantou-se, mas ficou muito feliz.

Acho que um prémio assim é uma reparação que se faz à poesia

Viveu sempre tentando ficar longe da fama mas a qualidade da sua poesia não permitiu a plenitude desse refúgio

Gostava de ter sido pintor, a poesia é também uma forma de pintar, se quiserem, também o contrário.

Viveu sempre com enormes dificuldades económicas, tal como, por exemplo, confidenciava numa carta enviada  a Jorge de Sena.

Uma frágil saúde multiplicou todas essas dificuldades mas não impediu o seu combate, desde os tempos do MUD Juvenil, pelo carácter, pela consciência, pela poesia liberdade livre, título de um seu livro de crítica e ensaio publicado, em 1962, pela Moraes Editora.

Quem escreve quer morrer, quer renascer
num ébrio barco de calma confiança.
Quem escreve quer dormir em ombros matinais
e na boca das coisas ser lágrima animal
ou o sorriso da árvore.
Quem escreve quer ser terra sobre terra,
solidão adorada, resplandecente, odor de morte
e o rumor do sol, a sede da serpente,
o sopro sobre o muro, as pedras sem caminho,
o negro meio-dia sobre os olhos.

Foi tradutor, professor e também empregado num escritório, donde resultou o poema O Funcionário Cansado, que faz parte do seu livro O Grito Claro:

A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só

Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente

e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?

Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só.

No prefácio de Ocupação do Espaço, publicado na excelente colecção Poetas de Hoje, editado pela Portugália (Novembro de 1963), E.M. Melo e Castro escreve:
a presença única do homem e a beleza do seu «gostar» da vida dão-nos a medida maior desta Poesia que já hoje é, por isso mesmo, uma das Maiores da Moderna Poesia Portuguesa.
Gastão Cruz num texto publicado por ocasião dos 80 anos de António Ramos Rosa:
Para a minha geração, António Ramos Rosa representou, se não propriamente a abertura, a consolidação de uma via, paralela, sem dúvida, a algumas outras igualmente decisivas, mas especialmente consciente das exigências da inovação e da modernidade.


Legenda: caricatura de Rui, publicada em O Jornal, 18 de Novembro de 1988.

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