sexta-feira, 13 de setembro de 2013

OLHAR AS CAPAS


A Cavalo no Diabo

José Cardoso Pires
Publicações Dom Quixote, Lisboa Novembro de 1994

Entre a Praça do Chile, e os bilhares da Cervejaria Portugália, na Avenida Almirante Reis, é que os pequenos corsários da Lisboa-Leste daquele tempo comentavam à meia-boca os seus golpes nas galdérias da má-vida. Designavam-se a si mesmos por “imperadores” (“imperadores do Chile”) porque era a partir da Praça do Chile que iniciavam a descida à cidade nocturna, vindos de Arroios, do Alto do Pina ou das azinhagas da Picheleira.
Vestiam à castigador segundo o figurino dos gangsters dos filmes da série C e assobiavam os swings do Glenn Miller que era o Strauss daquela época, traduzido pela Orquestra Casanova, a dos bailes mais selectos dos clubes populares. Foi numa dessas sessões recreativas que conheci o escultor Lagoa Henriques muito tímido e curioso, a ver passar os leões.
Desdenhosos e de sobrancelha levantada, nunca vi imperadores mais receosos do que aqueles. Avaliavam à distância os bares do Cais Sodré ou as mariposas da Avenida que era onde faziam lei os chulos de protocolo com a polícia. Bordejavam o Intendente em aproximações comedidas; espreitavam por entre o fumo, mediam o clima. À falta de melhor, iam abater desgraçadinhas para os bailes de banjo e rifa a prémio ou tentavam o Salão das Manas Pretas, que era todo em tangos a galope de viúvas a arfar. Mas aí só em caso de desespero porque as matronas à solta buliam de desconfiança e não davam o menor amparo a quem lhes olhasse para os ouros. Ir ali era ir aos pobres, como dizia o Sami do Alto do Pina que, numa volta à Gardel, ficou sem uma medalha de prata que lhe dava muita fé.

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