domingo, 26 de outubro de 2014

OLHAR AS CAPAS


Salazar, Deus, Pátria, Maria
Peça em um acto, dividido em três cenas
                                           
Maria do Céu Ricardo
Prefácio: Fernando Rosas
Posfácio: Fernando da Costa
Capa: António Sapinho
Notícias Editorial, Lisboa, Novembro de 1997

- Sou para aqui uma coisa, Maria para isto, Maria para aquilo…, passei a vida a servi-lo, sempre à espera, sempre na sombra, a apaparicá-lo… (Pausa)
- Sempre a pensar que talvez um dia, quem sabe, ele olhasse para mim para me ver… Não para me dar ordens, olhasse para mim como ele olha outras mulheres, com outra delicadeza no olhar… Ora!
(Afasta o pensamento com a mão.)
- A verdade é que nunca pensei que ele um dia deixasse o governo, habituei-me a vê-lo sempre no poder. Não é o que vem nos livros? «Quem manda? Salazar! Salazar! Salazar!». Até que apareceu aquele general a fazer ameaças. (Imita): «Se eu for eleito, demito-o!? (Repete para si.) – se eu for eleito demito-o!? Olha que é preciso não ter vergonha… (Pausa.) Bem, também é preciso ter coragem…! (Pausa) – Mas, se ele o demitisse?
(Vai preparar o tabuleiro.)
- Falámos disso tanta vez, tanta vez, e ele, que não me ralasse, que nada me iria faltar, que tinha umas terras, e com as minhas economias…
(A chaleira apita. Vai apagar o lume.)
- Quem me comeu a carne, que me roa também os ossos! (Pausa.) – Trinta e três anos a servi-lo, trinta e três anos a fio, desde a Casa dos Grilos (começa a partir o pão para as torradas.) Comi o pão que o diabo amassou.

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