sexta-feira, 17 de outubro de 2014

PANCADAS DE MOLIÉRE


É este o problema com a bebida, pensei, enquanto me servia dum copo. Se acontece algo de mau, bebe-se para esquecer; se acontece algo de bom, bebe-se para celebrar, e se nada acontece, bebe-se para que aconteça qualquer coisa.

Fez-me sorrir esta frase de Charles Bukowski.

O problema com Bukowski, é que, mesmo que não seja vontade nossa, ousamos ser obscenos.

Talvez porque precisamos de viver em humor e desespero.

Entrei na onda, segui velhos passos e desaguei numa daquelas histórias que ouvi num jantar familiar.

Uma velha prima gostava da sua pinguita e bebia às escondidas.

Vivia numa daquelas vilas da Lisboa antiga, onde tudo se vê, tudo se sabe.

Contaram à mãe que volta e meia ela ia à taberna da rua buscar vinho numa cafeteira de esmalte.

A mãe, mãos na cintura, fez-se ouvir:

- Ouve lá?! Não há putas na família terá que haver bêbedas?

Aqui percebi que não podia ser bêbeda e puta também não. Percebi também que o mais comum dos mortais se podia tornar bêbedo.

 O cantor Tom Waits diz que não é ele que se embebeda… mas o piano…

Havia uma vizinha em casa dos meus pais que sempre que tocava à campainha apresentava- se de casaco de peles, cabelo louro amarelado, meias de vidro, cigarro na mão, unhas pintadas, voz baralhada. Na altura questionava- me se era puta ou bêbeda...vim a saber mais tarde que era as duas coisas.

No entanto havia ali uma qualquer louca dignidade um desespero a dar razão a quem diz que só há problemas com o álcool quando não tem mais para se beber.

- Um dia gostava de ser assim...bêbeda, pensava eu.

- Por que não puta?

Naquela idade pensa-se tudo,

Há quem saiba porquê, mas eu não encontro o fio à meada.

Bukowski é mesmo um tipo perigoso, digo eu. 

Mas saio desta com uma frase de Marguerite Yourcenar:

O álcool tira as ilusões. Depois de alguns golos de conhaque já não penso em ti.

Boa noite.


Reinvenção de Sara Calisto para o trabalho Loft Soft, Fragmentos de Uma Loucura Normal, que, em Junho, esteve em representação,no Teatro de Carnide.

Legenda: Cartaz de Ricardo Mesquita

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