quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

CÉSAR DIXIT!


Descontados os levianos fervores dos meus verdes anos (era o tempo em que se lia o Sadoul, nunca partilhei a admiração com que alguns dos meus colegas envolviam a obra de Manuel de Oliveira, nem nunca soube tirar dela qualquer ensinamento. Num país em que a prática cinematográfica nunca deu frutos por aí além, sempre me quis parecer que as afinidades reivindicadas por alguns novos cineastas eram, consciente ou inconscientemente, uma forma de atenuar sobretudo a sua profunda solidão cultural, inventando a obra de um antepassado ilustre, ainda que exemplarmente frustrado por carências disto e daquilo. E já que andamos nesta vida só para arranjar sarilhos, também me parece que, não raras vezes, se serviram do nome e do prestígio de Manuel de Oliveira para fins pouco louváveis como, muito recentemente, num lamentável «documentário» sobre Sever do Vouga que, infelizmente, envolve outros nomes que não podem estar à mercê de empreendimentos daquele teor. Estou a pensar no Paulo Rocha, no Fernando Lopes e no Lopes Graça, e só não insisto nesse ponto por duas razões: porque me obriga a um longo desvio e porque me é penosos o simples facto de o mencionar.

Da crítica sobre O Passado e O Presente, um neocrofilme português de Manuel de Oliveira.

Por volta dos 15 anos, fixei-me com a família em Lisboa, para poder prosseguir a minha medíocre odisseia liceal. Instalado no colégio do Dr. Mário Soares, acabei por ser expulso ao contrair perigosíssima doença venérea. Pensei, então, que entre a política e as fraquezas da carne devia existir qualquer obscena incompatibilidade, e nunca mais fui visto na companhia de políticos.


O dia mais agradável, quando se acaba um filme é, diga-se o que se disser, o dia do pagamento. 

De Relatório Cambodjiano

Prevendo o funesto desfecho, peço ao V.S.T. que mande rezar algumas missas pela boa encomendação da minha alma. Não muitas, para que não apreça ostentação: só quero a Missa de Notre Dame do Machaut, a Missa de Beata Virgine do Josquin, a Missa em Si bemol do J.S.Bach e a Missa em Dó menor K.427 (com o «et icarnatus est» cantado pela Stich-Randall) ou o Requiem K. 626, na gravação do Bruno Walter, ambas de Wolfang Amadeus.
O meu mal cheirosos espólio deve ser doado À Fundação Gulbenkian. Para o Centro Português de Cinema, raspas. Nem um chavo. O mapa do tesouro vai inteirinho para ios amores. Santas criaturas!

De Relatório Cambodjiano

Não faço parte de grupos e não tenho quaisquer afinidades culturais com colegas meus. Sinto-me, portanto, à margem daquilo a que se chama novo cinema português, e isso nada tem a ver com o facto de haver 3 ou 4 tipos que podem até fazer filmes interessantes e com quem é agradável tomar café e trocar impressões.
Convém, no entanto, deixar bem claro o seguinte: sou um tipo ferozmente individualista que a si mesmo se toma pelo centro do mundo e está profundamente convencido que estas coisas de cinema, ou do que quer que seja, se atravessam sozinho. That’s all. 

Da Auto-Entrevista

Ninguém morre por não fazer filmes e se morrer é idiota. Não vale a pena. Morre-se, sim, por fazer filmes, por na idade em que se fazem as opções mais importantes (que não são necessariamente as mais graves) se ter optado pelo ofício de cineasta.

Da Auto-Entrevista

A par de isto, como sei que não chego a netos, vou tentar reconciliar-me com a morte.
O cinema não é mais do que um itinerário que instaura o reencontro do homem consigo mesmo. Ou Ulisses de novo em Ítaca.
Você consegue levar a sério um senhor que tem vinte e cinco tostões no bolso?

Da Auto-Entrevista

O meu pai era um tipo melancólico. Caçava moscas e lia Camilo. Morreu.

Lívio em Quem Espera Por Sapatos de Defunto Morre Descalço.

Nota do editor:

Todas citações tiradas de Os Que Vão Morrer Saúdam-te


Legenda: pormenor da página nº 16 do 8º número do semanário & etc., onde foi publicado o Relatório Cambodjiano.

Sem comentários: