terça-feira, 12 de abril de 2016

EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA


A capa da Fanga de Alves Redol, que se apresentou em Olhar as Capas não é, obviamente, a da edição original da autoria de Fred Kradolfer, mas é a capa que existe na Biblioteca da Casa.

Trata-se de uma encadernação feita pelo meu avô paterno, com pano de retalhos de tecidos da Empresa Fabril do Norte, na Senhora da Hora.

Tentarei explicar:

O meu avô paterno, Mário de seu nome, que, orgulhosamente, se dizia republicano histórico, benfiquista e anticlerical, foi toda a sua vida caixeiro-de-praça do J. Português das Silva, na Rua da Betesga, vendendo pelas lojas de Lisboa, linhas e panos da Fábrica da Senhora da Hora.

Ganhava uma miséria e todos os dias de segunda a sábado, transportava uma enorme mala com as amostras.

Era um leitor compulsivo.

Um dia, sem qualquer tipo de aprendizagem, nenhum aviso à navegação, mostrou um livro encadernado por ele: a Fanga da Alves Redol.



O meu pai, quando deu conta que a capa de Fred Kradolfer já não existia, disse-lhe que não se podia fazer uma coisa daquelas.

Lembro-me então de o ouvir dizer que a capa de um livro é uma coisa sagrada e essa ideia registei-a para sempre.

O meu avô ficou sem palavras, pegou no livro e retirou-se, calmamente, com uma tristeza sem fim.

Entendeu o comentário, mas não mais encadernou livros.

O meu pai ainda lhe disse que poderia encadernar livros não ocultando as capas, mas nada o fez mudar de ideias.

Curiosamente, e não lembro qualquer razão em especial – a capa colorida? Talvez!  – foi este o primeiro livro que li de Alves Redol.

Alves Redol fez questão de o dedicar aos fangueiros:

Para vocês, fangueiros dos campos da Golegã, escrevi êste livro. Que algum dia o possam ler e rectificar – porque o romance da vossa vida só vocês o saberão escrever.

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