segunda-feira, 3 de junho de 2019

AGUSTINA BESSA-LUÍS (1922-2019)



Tinha 96 anos e há mais de dez anos, na sequência de um AVC, estava retirada da vida pública.

«Decorre a apresentação do livro de Cavaco Silva no salão nobre do Centro Cultural de Belém, e os carros pretos dos ministérios sobem a rampa com uma lentidão consular. Eu escrevi cinquenta e não me prestam tanta atenção. Pelo que fico, por um momento, desencorajada.» Agustina em 1994.

«Acho, de resto, que todos nós pensamos que a morte acontece aos outros, não acontece a nós. Posso estar perfeitamente a trabalhar dez horas por dia, a escrever ou a ler. Sem cansaço. Tenho uma capacidade muito grande de trabalho, porque gosto. Eu acho que um trabalho que não nos cansa, tem que ser um trabalho que mos pertence por direito», Agustina em Conversas de Mário Ventura.

Morreu Agustina e eu terei de repetir que os meus preconceitos com a escritora são mais políticos que literários. Já entrado nos 70 anos li A Sibila e porque encontrei o livro na rua. 

É um grande livro.

Como não consegui dar a volta às políticas em favor dos textos de Agustina?

«Eu nasci ortográfica como outros nasceram diabéticos. O meu açúcar é a raiz da escrita, como se fosse a raiz da beterraba. Que belo é escrever por linhas direitas coisas tortas e fisgadas», Agustina em Caderno de Significados.

Artur Portela Filho, em Agustina por Agustina traça-lhe este retrato:

«Insuportavelmente mansa, apaixonadamente tranquila, ferozmente polida, ironicamente dramática, este enorme talento que pensa atmosfericamente, em sucessão de anticiclones e de frentes depressionárias, este Abril de sóis mil, que intui a lógica, logiciza a intuição e refunde, em si, a nacionalidade, diz-se, diz o que tem a dizer, diz, sobretudo, o que quer dizer, com um caudal enganador. É uma torrente que sabe o que quer e para onde vai. Corre, talvez, o perigo, ou talvez, a audácia, de querer demais, leia-se: tudo, e ir para muitos sítios, ou seja: para toda a parte.»

Escreveu Agustina no seu livro Um cão Que Sonha:

«Nasci adulta, morrerei criança.»

E porque mais não sei dizer, lembro uma passagem de A Sibila:

«A carne extinguia-se nela, o espírito vacilava, como que regressando ao nascimento. O abade inclinava-se sobre aquele rosto doce, hermético, e cheio duma indecisão infantil, e dizia. «Quais são os seus pecados?» Ele próprio os ia enumerando, adivinhando, auxiliando, a murmurar uma lenta ladainha que preenchesse o vácuo daquele inquérito. E, nessa ocasião em que, pela última vez, a vira com vida, recomendara-lhe:
- Reze três Ave-Marias como penitência.
- Reze-as o senhor abade, que tem mais vagar do que eu – respondeu Maria. Era, aos noventa e quatro anos, um lucilar ainda do seu humor impávido e irreverente.
Agora estava morta.»

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