sábado, 5 de fevereiro de 2022

LAURO ANTÓNIO (1942-2022)


 Na quinta-feira, aos 79 anos, morreu Lauro António.

Uma vida dedicada à cultura, mas principalmente ao cinema.

Não tinha grande apetência por holofotes.

«Como crítico, como organizador de festivais, como professor, como dinimizador cultural, nunca foi minha intenção impor opiniões.».

Entendia a crítica de cinema com paixão e, por isso mesmo, era parcial.

Manteve, nos primeiros tempos da TVI, o programa «Lauro António Apresenta», cujos textos de apresentação dos filmes foram publicados em Junho de 1994 pelas Edições ASA.

 Quem gosta da vida vai ao cinema.

É lá que tudo se passa.

«Nos nossos cinemas, ou no que resta dos nossos cinemas, se me quiser fazer entender.» é o começo de uma crónica de João Bénard da Costa.

Lauro António, entre Setembro de 1974 e Março de 1975, realizou um filme-documentário a que chamou «Vamos ao Nimas».

Nos seus 18 minutos de duração, o filme pretende ser uma evocação dos cinemas de bairro, os chamados «piolhos», que já não existem, das salas de cinema que pelo país, um pouco por toda a parte, foram encerrando as portas, e em muitos casos, com os edifícios destruídos.

Escreveu  Lauro António: «por maquinações do capitalismo, os velhos “clássicos”da aventura, do humor, do “suspense” ou do amor cederam progressivamente o seu lugar a este estendal de violência gratuita, de especulação, de barbárie que por todo o lado cresce. Enquanto desaparecem as salas que viram nascer e morrer uma época de ouro.»

Ainda Lauro António:

«Aqui existiu uma sala de cinema. Uma sala popular. Um bilhete para uma sessão dava direito a ver duas fitas em reprise.
Aqui existiu uma sala de ilusões. Aqui Gene Kelly dançava à chuva.
Marilyn amava.
James Bond tinha ordem para matar.
Chatrlot dava pontapés nos polícias
Os Marx faziam coisas impossíveis
Tarzan lutava com crocodilos-"Me Tarzan. You Jane."
Zorro e Fantomas na mesma sessão.
Bogart em "Casablanca"
A malta sorria - ria - sonhava - vibrava.»

De Lauro António retenho ainda o ter sido programador da sala de cinema do Centro Comercial Apolo 70, uma sala confortável com a excelência de uma projecção e de um som que dela fizeram um autêntico «must»

«Ao abrir as portas, todo o cinema que se preza orgulha-se de se apresentar ao público referindo normalmente a excelência da sua projecção, a comodidade dos seus lugares, o bom gosto do seu ambiente, o interesse espectacular da sua programação, etc. Apolo 70 poderia começar também por isso (e cremos que o faria com inteira justiça), mas as responsabilidades que irá contrair são sobretudo de um outro tipo. Com o que a sua declaração de princípio pretenderá atingir um alcance muito mais vasto».

E não se podem esquecer as sessões da meia-noite que por lá aconteceram.

Foi no Apolo 70 que, com o meu pai, vi dois filmes do Francis Ford Coppola: «Appocalipse Now» e «Do Fundo do Coração».

Outra referência minha de Lauro António data de finais de 1967 quando, juntamente com o Eduardo Prado Coelho, mais tarde com o João César Monteiro e o Vitor Silva Tavares, se tornaram críticos de cinema de Diário de Lisboa, crítica de cinema a sério, o que levou as distribuidoras de filmes a dizer a Ruella Ramos, proprietário do jornal, que ou punha aqueles senhores a andar dali para fora ou nunca mais via um tostão de publicidade.

Os senhores das exibidoras não estavam a ver bem com que quem estavam a lidar, não só os críticos não saíram como se gerou uma enorme onda de solidariedade entre os jornalistas e escritores, bem como dos leitores do jornal, e tiveram que arrepiar caminho.

O jornal não cedeu a qualquer tipo de chantagem.

Lauro António criou, no ano passado, a Casa das Imagens, em Setúbal, para onde levou uma boa parte do seu acervo, entre livros, filmes, cartazes, fotografias e onde organizava ciclos de programação.

No jornal digital Mensagem de Lisboa, podem encontrar as crónicas que Lauro António escreveu para esta publicação.

«Um velho sábio, elegante, a tentar agarrar a memória da sua paixão, o cinema, e a generosidade da militância pelo cinema», tal como de Lauro António escreveu Ferreira Fernandes.

Legenda: fotografia de Maria Eduarda Colares

2 comentários:

Seve disse...

Mais uma grande perda e não só para a cultura!
Cruzei-me com ele algumas vezes no elevador da Glória.
Admirava-o e tenho um interessante livro dele -Lauro António Apresenta...-

Sammy, o paquete disse...

Um tipo bem interessante.
Chegou a organizar umas tertúlias-ajantaradas no Café Vá-Vá, a que chamou «Vá-Vá-Diando» e a que nunca consegui ir por a lotação esgotar rapidamente. Desde que nasceu a «Casa das Imagens Lauro António», em Setúbal, que eu, e o Luís Miguel Mira andamos para a visitar. Terá que ser por um tempo destes.