O Passado Remoto
Giovanni Papini
Tradução:
Armandina Puga
Colecção: Livros
RTP nº 27
Editorial Verbo, Lisboa s/d
Nunca vi Paris tão jubilosamente inundada de sol e de
inteligência como na Primavera de 1914. Parecia que a velha Europa, antes de se
envolver no manto de fogo e de luto, quisera oferecer a si própria uma última
course aux flambeaux, num dos seus mais famosos boulevards.
O tempo estava quase sempre bonito, o céu tinha a
amenidade perlada do mais cordial setentrião, a gente parecia contente de
viver, e de viver precisamente naquela germinante estação. Nas árvores, que se
erguiam entre as fortalezas burguesas dos grandes palácios negros, despontavam
as primeiras folhas, a despeito do ar que cheirava a gasolina e a asfalto ainda
húmido.
Por toda a parte reinava uma vida alacridade, uma
temeridade de experiências, uma vontade de tentar e ir mais além que dava alma
e coragem aos mais ensonados, esperanças e embriaguez aos mais arrojados aventureiros. Por toda a
parte se falava em teorias novas, nasciam novas revistas, abriam-se novas
exposições, novos poetas e pintores se revelavam. Parecia o festim de Alexandre,
antes do incêndio da Babilónia.
Fora até lá com Soffici e Carrà. Também Marinetti e Palazzeschi vieram por uns dias. Mais do que nunca Paris era a Alexandria da cultura moderna, onde convergiam homens vindos de toda a Europa. Os pintores mais famosos chamavam-se Picasso e Juan Gris, Modigliani e Van Dongen; os escultores mais célebres, Rosso e Archipenko; e também os escritores acorriam de toda a Europa.

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