quinta-feira, 28 de outubro de 2010

OLHAR AS CAPAS


Le Bassin de John Wayne seguido de “As Bodas de Deus

João César Monteiro
Capa de João Vieira
&etc, Lisboa 1997

“CENA 06

Cenário: Jardim do Convento, Exterior, diua,
Personagens: João de Deus, Madre Bernarda, Freiras.
João de Deus e a madre Bernarda estão sentados num banco ao fundo do jardim. Sai fumo da chaminé da cozinha do convento e ouvem-se os risos das irmãs, que folgam. Uma freira serve-lhe dois cálices de licor.
João de Deus: E a Joana?
Madre Bernarda: Um amor-perfeito. Raparigas assim são raras nos tempos que corem. Serve crianças no refeitório da paróquia a ainda nos dá uma ajuda nos trabalhos do convento.
A madre Bernarda levanta-se e passeia nos jardins com João de Deus.
Madre Bernarda: Eu sei que não acredita em milagres, mas não esqueço o dia em que, trémula de frio, Joana me apareceu pela primeira vez. Parecia um espectro saído de um campo de concentração. Que força a mantinha viva? A transfiguração é maravilhosa, não haja dúvida. Os prodígios de Deus não cessam de nos surpreender.
João de Deus: A César o que é de César, a Deus o que é de Deus.
Madre Bernarda: Porque não vai visitá-la?
João de Deus: Prefiro não.
Madre Bernarda: Talvez se arrependa.
João de Deus: Arrepender? Esta não é propriamente uma comédia penitenciária.
O Barão tira um envelope do bolso do casaco.
João de Deus: Prefiro deixar este donativo para que não lhe falte nada em caso de aflição e para obras de beneficiação do convento. Basta uma chuvada para fazer ruir o tecto.
A freira recebe o donativo.
Madre Bernarda: Tantas notinhas! Não serão manhas de Lúcifer?
João de Deus: È dinheiro imaculado. De hora a hora, Deus melhora.
Madre Bernarda: Sede misericordioso. Sou uma mulher de pouca fé. É pena que não possamos celebrar esta dádiva à volta de um honesto cozido à portuguesa servido pela Joana. Comidinha caseira!
João de Deus: Irmã, Irmã, muito te será perdoado. Mas livra-me dessas tentações!

CENA 07

Cenário: Refeitório da Paroquia de Colares. Interior. Dia.
Personagens: João de Deus e a madre Bernarda, Joana, crianças, empregadas.
João de Deus e a madre Bernarda, sentados numa mesa posta: pão e vinho tinto.
Joana (rindo): Bom apetite.
João de Deus: Não páras de rir. Estás a rir-te de mim?
Joana: Estou a rir-me porque estou contente,
Madre Bernarda (servindo-se): Ri-se na alegria do Senhor. Abençoados sejam os pobres d espírito porque será deles o Reino dos Céus.
João de Deus: Já que é assim, esperemos que o cozido esteja de chorar por mais.
João de Deus e a madre Bernarda atacam o pitéu.
Joana continua a sua lide com a leveza graciosa de uma dançarina. As empregadas servem taças de gelado às crianças espalhadas pelas mesas do refeitório. Joana que, que transporta duas taças de gelados, aproxima-se da mesa de João de Deus e da madre Bernarda.
Joana: Desejam gelados?
João de Deus: Gelados? Nem vê-los.
Joana afasta-se.
A madre Bernarda enche os copos de vinho.
Madre Bernarda: Esta preciosidade é oferta da casa. Quem sabe se não estaremos no limiar de uma nova era? Suportámos longamente a era do abandono: Talvez estejamos a entrar na hora da hospitalidade.
João de Deus tira duas cigarrilhas e oferece uma à madre Bernarda.
João de Deus acendendo as cigarrilhas): Com a recrudescência dos fascismos à perna?
Madre Bernarda (expelindo uma baforada): Vou proferir uma blasfémia, mas como Staline dizia, o melhor fascista é o fascista morto. Para que a Besta do apocalipse não ressurja. Nunca mais.
Fazem um brinde e bebem. Joana olha para eles a rir.”

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