domingo, 10 de outubro de 2010

SARAMAGUEANDO


A língua portuguesa será, possivelmente, a que mais razões de queixa terá da Academia Sueca, no que à atribuição de Prémios Nobel da Literatura diz respeito.

Saramago, com ironia, ou desdém remetia, a importância do Nobel para um cheque de um milhão de dólares. “A decisão diz respeito aos suecos, o dinheiro também é deles, podem fazer dele o que bem entenderem, Pode ser que o prémio venha no próximo ano e ficarei muito contente ou então que nunca chegue a vir e não farei nenhum drama. Quero viver tranquilo.”

Apenas José Saramago é a excepção num vasto leque de omissões onde constam Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Miguel Torga, Sophia de Mello Breyner Andresen, António Ramos Rosa, Vergílio Ferreira, Fernando Namora, António Lobo Antunes, Machado de Assis, Jorge Amado, João Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto.

Antes tarde do que nunca

Luciana Stegano Picchio, especialista italiana em literatura portuguesa:

“Este é o prémio mais justo dos últimos 15 anos. Durante todos os anos em que foi atribuído o Nobel, nunca tinha sido reconhecido este bloco linguístico de mais de 200 milhões de pessoas. Estávamos à espera há muito tempo desta notícia, com aquela angústia de quem não vê chegar as malas ao aeroporto. Desta vez chegou. É justo. Saramago merece o Nobel.”

Ao longo dos cinco volumes dos “Cadernos de Lanzarote”, José Saramago refere, várias vezes, o que era esperar pela notícia da atribuição do Nobel.

No 1º volume, a entrada escrita a 26 de Abril de 1993:

“Entrevista a Plínio Fraga, da “Folha de S. Paulo. Uma das questões era que António Houaiss, aqui há tempos, teria apostado em dois nomes para o Prémio Nobel deste ano: João Cabral de Melo neto e este servidor. Pedia-se-me que comentasse a declaração de Houaiss e eu lembrei a Plínio o que Graham Greene respondeu a um jornalista que lhe perguntou o que pensava ele da atribuição do Prémio Nobel a François Mauriac. Foi esta a frase histórica: “O Nobel honrar-me-ia a mim, ao passo que Mauriac honra o Nobel.” Aí tem, disse, eu sou o Grahaam Greene desta história, e João Cabral de Melo Neto o Mauriac. Mas, em seguida, esgotada a minha capacidade de abnegação e modéstia, e também para não aparecer aos leitores da “Folha” como um sujeitinho hipócrita, acrescentei, desta maneira me sangrando em saúde: “Em todo o caso, parecer-me-ia justo que o primeiro Nobel de Literatura para a Língua Portuguesa fosse dado a um português, porque, na verdade, vai para novecentos anos que estamos à espera dele, enquanto vocês nem sequer dois séculos de esperanças frustradas levam…”

No 2º volume, entrada escrita a 12 de Outubro:

“Diz-se em Lisboa que o Nobel está no papo de Lobo Antunes. Pelos vistos, o jornalista brasileiro, amigo de Jorge Amado, sabia do que falava. Também me dizem que Lobo Antunes já se encontra na Suécia.”

No mesmo volume, entrada escrita a 13 de Outubro:

“O Nobel foi para um escritor japonês, Kenzaburo Oe. Afinal, o jornalista estava enganado. Nelson de Matos até tinha feito declarações à rádio, ou à televisão, não sei bem, dando como favas contadas a vitória do seu editado. O que vale é que o ridículo, pacientíssimo, continua a não matar, Quanto a mim, tenho de começar a pedir desculpa aos meus amigos por não ganhar o Nobel…”

No 3º volume, entrada escrita a 23 de Maio:

“Uma leitora na Feira: “Para o ano que vem teremos mais “Cadernos”?”. Respondo medievalmente como de costume: “Vida havendo e saúde não faltando…” E ela: “É que quero ver neles a notícia do Prémio Nobel…”

No 5º volume, entrada escrita a 9 de Outubro de 1997:

“Foi muito simples. Encontrávamo-nos na cozinha, Pilar e eu, sós, quando a rádio informou que o Prémio Nobel tinha sido atribuído a Dario Fo. Olhámo-nos tranquilamente (sim, tranquilamente, jurá-lo-ia se fosse necessário) e eu disse: “Pronto. Podemos voltar ao nosso sossego.” Falámos depois sobre o que naquele momento sentíamos, e ambos estivemos de acordo: alívio”

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