quarta-feira, 9 de maio de 2018

PORQUE É QUE NÃO APRENDES?


Havia noites em que as senhoras presentes rodeavam o Galarza e ele, por vaidade, ficava imparável e não deixava de dedilhar o piano. Feliz com os dedos a correrem pelas teclas, por momentos inclinando a cabeça para trás, em busca do acorde perfeito, para ouvir melhor ou apenas para dar um ar de músico transcendente e melhor excitar as madames que estavam na sala.
Numa dessas noites de sublime inspiração, o João Franco, com a bebedeira que ainda conservaria se por cá ainda estivesse, encostou-se ao piano e durante muito tempo – o Galarza estava no seu melhor – não tirou os olhos daqueles dedos que corriam desvairados pelas teclas brancas e pretas e, com certeza às vezes pelas duas, digo eu, como se fossem autónimos ou então conduzidos por um ente celestial. Quando acabou, martelando, no bom sentido, o piano com todo o entusiasmo, levantando-se ao mesmo tempo que erguia os braços como os grandes concertistas, recebeu os mais calorosos aplausos. Tinha sido excepcional e o Joâo estava de olhos esbugalhados. De tal forma, que o Galarza lhe perguntou: «Às gostado de mé ouvir?»
E o João respondeu-lhe: «Aqui não se trata de gostar ou de não gostar. O que é espantoso é a tua força, o teu vigor, a forma como tocas. Vê-se mesmo que gostas muito de tocar, não gostas?»
E o Galarza: «Si me gusta? Me encanta!»
E o João: «Então, se é assim, porque é que não aprendes?...»
Foi corrido porta fora pelo porteiro e pelo próprio Galarza ficando com a entrada cortada.

Pedro Bandeira Freire em Entrefitas e Entretelas

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